Na mocidade, Bastião não enjeitava trabalho. Quando aprendeu a furar poço, tomou gosto, virou cisterneiro. Pegou firmeza no ofício, cismou de ganhar dinheiro, bateu para São Paulo. Virou, mexeu, foi parar em Barretos. Por lá ficou um tempão. Notícia, só de raro em raro. A família dava um desconto, deixava pra lá. “Ele sempre foi assim, não havia de ser agora que ia mudar”, diziam, conformados.

Passado um bom tempo, apareceu: distraído, aluado, clamando uma novidade na cabeça. “De vez em quando me dá uma coisa ruim, parece que fico meio fraco da ideia”. Pergunta daqui, especula dali, contou o caso do veio de diamante na escavação de uma cisterna. Algibeiras cheias, bebeu uns golos, despercebeu, mostrou seu achado no boteco. No caminho de casa, levou uma bordoada na cabeça, perdeu o sentido. Quando voltou a si, de bolso vazio, teve muita raiva. Xingou e praguejou por uns tempos, mas nunca desistiu de recuperar sua fortuna.

Se acontecia uma batida de carro, coisa rara naqueles ermos, lá ia o Bastião correndo. Juntava os cacos de vidro, até os mais miudinhos. Levava pra casa, enfiava debaixo do colchão. De vez em quando trancava a porta, espalhava tudo no chão, passava um tempão admirando seu tesouro: pedra de toda cor e feitio, vidro de variados formatos, botão, bola de gude. Exigente na cata, batia uma pedra na outra, às vezes até dava fogo.  Descartava as esfarinhentas, separava as duras, que não lascavam no teste da batida. “Essas, mais antigas, são as adiantadas, mais perto de virar ouro. Só precisa de calor, atenção e paciência”.

Mais da metade da pensão do Funrural ia pra comprar lenha e manter o fogo aceso debaixo da panelona que ele mexia sem parar esperando a transformação das pedras em diamante.

Certa ocasião, trepou nas tamancas com o sobrinho. Imagina, um meninote garantir que o diamante mais colorido, mais lisinho de sua coleção não era de verdade! E o topetudo ainda arrematou dizendo: “Qualquer criança sabe que isso aí é  caco de vidro de magnésia!”. Bastião virou bicho, passou um tempão amuado, sem olhar pro chão nem esquentar água pra fazer pedra virar ouro. Ou diamante.

A diversão agora era olhar pro céu, procurar avião – bichos que carregavam gente na barriga. As fêmeas, as avioas, envergonhadas na hora de dar cria, iam pra bem longe, “lá naquela serra azulada”. Quando via um teco-teco, apontava o dedo, todo animado: “Tá vendo, eu não falei? A avioa pariu mesmo. Olha só que filhote bonito, sadio!”.

Quando perguntaram se ele tinha desistido dos diamantes, respondeu, todo sério: “Diamante é estrela que caiu”. E continuou: “Estrela não cai? Vira diamante de tanta sodade do céu”. E emendou: “Não tem Mãe do Ouro, que voa de alto de serra pra alto de serra, que deixa rabo de fogo, mostrando onde tem ouro escondido? Pois então. É tudo do céu. Mas não me importo. Gosto é só de diamante, nem pra ouro eu ligo mais.”.

Um dia, todo intimado, contou a novidade: “Tenho uma viagem importante. Me ofereceram garupa de avião pra Belo Horizonte, vou experimentar esse trem”.

No dia combinado, quase uma hora antes, já estava no campo de aviação. De olho em tudo, nem viu o tempo passar. Quando abriram a porta, ele subiu a escada e abanou a mão pro povo, que nem político.

Convidado especial, sentou do lado do comandante, reparando tudo, especulando. O avião levantou voo, pegou rumo e altura, ele não perdia nada, olhava praqui, olhava prali, pescoço esticado, olho arregalado. Aquilo era a coisa mais bonita do mundo.

– A gente nem bem saiu, Itapecerica já ficou pra trás? E agora?

– É Inácio Caetano, ali adiante.

– Ah, o Patrimônio. Depois, Marilândia.

– É. Divinópolis, Cajuru…

– Antes de Cajuru o senhor me avisa, quero ver a represa de cima.

Sempre reparando, Bastião quis saber:

– E aquilo ali embaixo, o que que é?

– Aquilo branco ali? É uma nuvem.

– Nuvem?! – perguntou ele, espantado.

– É.

Bastião desmontou, desmaiado.

 

 

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