O fato do mercado ter oferta expressiva de imóveis comerciais disponíveis para locação em decorrência do desaquecimento da economia, tem possibilitado uma inversão da regra que estabelece que quem redige o contrato é o locador ou a imobiliária. O mercado sempre funcionou assim pelo fato da Lei do Inquilinato possuir um caráter protecionista que favorece o inquilino, tendo o locador que se precaver. A acomodação da imobiliária deixar essa tarefa importante por conta do inquilino tem propiciado às grandes empresas a oportunidade de induzirem os locadores a assinarem contratos de locação extremamente desequilibrados, que criam uma situação de desvalorização do imóvel com a perda do poder do proprietário de reivindicar seus direitos em várias situações. 
 
O locador, devidamente assessorado por um expert que domina a Lei do Inquilinato, o Código Civil e os procedimentos judiciais que envolvem os diversos tipos de locações, elabora o contrato de locação com várias cláusulas que garantem exigir do inquilino o pagamento pontual do aluguel, conforme o preço de mercado, bem como a exigência de desocupação ao final do prazo de locação ou em decorrência de infração contratual. Entretanto, quando o locador é conduzido pela preocupação dos custos advindos de um imóvel vazio e da ausência de lucro com o recebimento do aluguel, aliado ao fato de não ter uma assessoria jurídica de primeira linha, acaba sendo “engolido” por inquilinos corporativos (bancos, redes de supermercados, agências de automóveis, farmácias, empresas estatais, dentre outros), que impõem modelos de contratos com cláusulas abusivas, que lhes retiram diversos direitos. 
 
Essas grandes empresas se valem da consultoria de bons advogados que preparam seus diretores para convencerem o locador a aceitar o contrato padrão com cláusulas que concedem ao inquilino amplos direitos de fazer o que bem entende no imóvel locado, gerando, assim, enorme risco de prejuízo para o locador.  Muitas das condições desvantajosas para o locador são camufladas em cláusulas confusas, que somente um advogado experiente nos embates judiciais percebe se tratar de uma armadilha. 
 
Certo é que nenhum locador em sã consciência, caso tivesse alcance dos estratagemas desses contratos os assinaria, pois as condições desequilibradas colocam em risco seus direitos básicos de proprietário. Causa preocupação o fato da maioria das imobiliárias não estarem percebendo isso, por tratarem locações comerciais complexas como se fossem semelhantes à de um apartamento.
 
O desespero que abate o locador, e muitas vezes as próprias imobiliárias, por verem os imóveis vazios por longo e indefinido tempo, agravam essa situação, pois o aumento de ansiedade e o estado emocional parece dificultar a percepção do quanto a nova locação pode se tornar um engodo na vida do locador.
 
No momento do conflito descobre que foi enganado
Causa surpresa o volume de locadores que têm experimentado prejuízos com contratos leoninos, que poderiam ter deixado de assinar se tivessem refletido antes, e simplesmente exigido seu direito de redigir o contrato de maneira equilibrada.  
 
É comum nos depararmos com inquilino pagando a metade do preço de aluguel de mercado, com renúncia de revisão de valores e a aplicação de índice de correção desvantajoso que gera o pagamento de aluguel abaixo do preço de mercado.  Há contrato em que o inquilino determina que caso seja contrariado em alguma solicitação poderá suspender de maneira arbitrária o pagamento do aluguel, dando a entender que pagar o aluguel em dia é um bônus que o inquilino oferece ao locador, e não um dever. 
 
Quanto às obras, há cláusulas que permitem que o inquilino promova a demolição da edificação conforme seu interesse, sem que tenha o dever de restabelecer o estado em que a construção se encontrava quando na época da assinatura do contrato, ou seja, poderá alugar um galpão e entregar o locador um lote vazio ou uma construção precária. Há casos de cláusula que autoriza o inquilino a construir ou reformar o imóvel gerando o dever para o locador de indenizar por obras realizadas para beneficiar apenas o inquilino. O problema se agrava quando o valor exigido de indenização pelas obras supera o valor do terreno do locador, sendo esse forçado a vender seu imóvel em condições desfavoráveis. 
 
São comuns as cláusulas que determinam punições arbitrárias para o locador por questões simples enquanto o inquilino pagará multa irrisória se vier a cometer infração grave. Algumas locações praticamente se tornam perpétuas, pois são camufladas condições que inviabilizam a retomada do imóvel, sendo que o proprietário só descobre essas “surpresas” anos depois, quando surge o choque de interesses.
 
CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE FORÇA A VENDA O IMÓVEL
Esses contratos de locação são elaborados unilateralmente de forma agressiva por advogados orientados por executivos altamente preparados, que não aparecem no momento da negociação. Provavelmente, esses “gênios do mal” teriam vergonha de explicar pessoalmente para o advogado do locador a sua real intenção, pois há cláusula que simplesmente visa tomar o imóvel do proprietário, e outras que reduzem o seu preço de venda a menos de 50% do valor de mercado se o locatário utilizar seu direito de preferência já garantido pela Lei do Inquilinato.
 
Há casos de locador que, ao colocar o imóvel à venda descobriu que a locação a inviabilizava a ponto de ninguém se interessar pela aquisição, já que não teria com o comprador obter a posse do imóvel. Diante disso, o inquilino ofereceu pagar a metade do preço de mercado, tendo o locador aceitado diante da impossibilidade de obter o preço justo.
 
LOCADOR NÃO PODE TER ASSESSORIA AMADORA
Uma coisa é uma locação simples para moradia, outra bem diferente é a locação de grandes lojas ou terrenos onde haverá construções e obras que podem representar valores que superam o preço do próprio terreno. Tratar locações especiais de maneira amadora tem feito a felicidade de grandes inquilinos, os quais seduzem o locador e a imobiliária com uma conversa bem preparada e articulada. 
 
Consiste ingenuidade imaginar que um inquilino, ao se oferecer para elaborar o contrato, o fará de maneira a beneficiar o locador. Deve o proprietário do imóvel entender que cabe a ele o direito de redigir o contrato, devendo tomar as cautelas antes de assiná-lo, pois a locação poderá perdurar por décadas, sendo importante evitar situações que possam vir a gerar arrependimento com os prejuízos expressivos.   
 
Belo Horizonte, 13 de fevereiro de 2019.
 
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Diretor adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário-MG 
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