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Por: Olavo Romano

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Na lida de roça e gado, Zé da Brígida era ligeiro, era pau pra toda obra. Jeitoso com gente e bicho, virou um bom retireiro. De dia ele dava duro, de noite era sanfoneiro. Tirava da sanfoninha cada moda, uma beleza! Do chamado pé-de-bode, oito baixos afinados, saiam, encarreiradas, as melodias singelas que o instrumento guardava: marchinhas, valsas, lundus, mazurcas, cateretês bons de dançar e de ver.


E com o passar dos dias, o tempo sempre a correr, Zé da Brígida acostumou-se a ver seu nome encolher, reduzido a Zé da Brisa para em Brisa se conter. Feito o vento que soprava, no fole e na natureza, era a alegria do povo nas danças da redondeza.  


Em dia festa boa, noite de grande baile que não se vê toda hora, veio um tocador de fora. Na sua baita Scandali, tocava bolero e rumba, mambo e guarânia chorada, sem falar no chá-chá-chá, tudo coisa do estrangeiro, um tal de castelhano que alguns mais exibidos arranhavam por ali numas tais de noches tíbias do lago Ypacaraí. E os convidados de fora tomaram conta da festa saracoteando animados, no embalo cachaça lançada naquela noite do dito arrasta pé. 

 
Pela hora do intervalo, era já o cantar do galo, o povo deu com o Brisa sozinho lá pelos cantos. Sem lugar pra sua arte, era puro desencanto. Mas o sanfoneiro-mor, com maneiras de doutor, indagou de sua vida, perguntou por sua arte: quem sabe ele não queria tornar-se compositor? Para aquela pergunta, carta nova no baralho, por mais que pelejasse, Brisa não tinha descarte.


E com o moço regendo, o povo em confraria, Zé da Brisa foi tirando, na inspiração do momento, no simples soprar do vento, que lhe faltava no peito mas sobejava no fole, uma toada singela que na harmonia mais bela era como uma criança que de seus dedos nascia.


Uma pessoa surgiu, como um chefe de família (ou, se o senhor preferir, um puxador de quadrilha) e comandou com poder o milagre que viria: “Segue em frente, Zé da Brisa, toca a primeira parte”.


Pego assim, no arranco, que nem um carro no tranco, não teve tempo o Brisa de matutar no assunto. Mesmo sem explicação, quando ele deu fé de si, mexiam os dedos da mão, para baixo e para cima, feito aranha tecedeira, poeta buscando rima.


E o povo ali em roda, como quem busca na fonte uma água bem fresquinha, viu brotar a novidade da nascente musiquinha. Era uma coisa singela, talvez por isso tão bela, juntando escassos acordes de sua pequena arte para atender à encomenda de fazer a primeira parte:


Fim-firirim-finfim-firirim
Fim-firiri-finfim.
O entusiasmo do povo espantou o nosso Brisa, que não sabia lidar com tantos aplausos e vivas. Enxugou o suor da testa, olhou para a sanfoninha, sem entender como aquilo, uma coisa tão feliz, podia estar, de verdade, acontecendo com ele.


“Toca mais, Seu Zé da Brígida!”, gritou alguém lá de longe, distante da nossa vista, dando vigor e imponência ao nosso novo artista. “Repete para firmar”, disse, fechando a lição. E ele tocou de novo, na companhia do povo – cantando e batendo palma, com grande satisfação saindo de sua alma:
Fim-firiri-finfim-firirim
Fim-firiri-finfim.


E Zé da Brisa tocava, o pessoal fazia coro, era aquela latomia. “Mais uma vez, pra firmar!”, comandou o da Scandali como quem marca quadrilha. E a plateia acompanhando na mais feliz alegria:
Fim-firiri-finfim-firirim
Fim-firiri-finfim.


E veio a segunda parte, tocada e repetida, com redobrado vigor, cada vez mais aplaudida:
Fem-fererem-fenfem-fererem
Fem-fererem-fenfem.


Com tudo já bem   firmado, tocado e retocado, chegou afinal a hora de ter as partes unidas:
Fim-firirim-finfim-firirim
Fim-firiri-finfim.
Fem-fererem-fenfem-fererem
Fem-fererem-fenfem.


Cumprimentado e aplaudido com louvor e bizarria, o pobre do Zé da Brisa em si mesmo mal cabia. Quanto mais ele tocava e o povo aplaudia, mais aumentava o volume da enorme gritaria.


Então, ouviu-se a ordem, o comando veemente, vindo da boca de alguém, com voz de alta patente: “Agora a gente precisa botar nome nesse trem”. Depois de curto silêncio, consultando o bestunto, nosso artista respondeu, sem matutar no assunto, tudo saindo depressa, despejado em forte jorro, olhos postos na lonjura, mas com um ar de desdém: “Eu acho que é Cachorro o nome da criatura”.


E pelo resto da noite não teve mais pra ninguém. O sanfoneiro de fora também caiu na folia, o Cachorro comandando alegria com fartura, e o povo se esbaldando até o raiar do dia.
 

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