Carlos Alberto Teixeira de Oliveira
Carlos Alberto Teixeira de Oliveira
Carlos Alberto Teixeira de Oliveira

*Economista, presidente da ASSEMG – Associação dos Economistas de Minas Gerais; ex-presidente do BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A.; da ABDE-Associação Brasileira de Desenvolvimento e do IBEF – Nacional – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças; Coordenador-Geral do Fórum JK de Desenvolvimento Econômico – Presidente e editor-geral da MercadoComum. Vice-Presidente da ACMinas – Associação Comercial e Empresarial de Minas

Quase 78 anos já se passaram desde que foi lançado o primeiro Manifesto dos Mineiros.

Hoje, o fantasma da estagnação e da recessão paira sobre a economia nacional, a inflação volta a nos ameaçar com índices preocupantes e o desemprego encontra-se em níveis absolutamente insuportáveis. Tudo indica que haverá racionamento de energia já em breve e, ainda, temos uma grave crise sanitária provocada pela pandemia do Covid-19.

Nas últimas quatro décadas o Brasil não acompanhou o ritmo de crescimento da economia mundial e as perspectivas não são nada alentadoras para um país, como o nosso, que deveria ter, como meta principal, o desenvolvimento de sua gente e da sua economia, com a promoção da justiça social.

Constata-se, de outro lado, uma incapacidade dos instrumentos e instituições de darem conta dessa problemática.

Obviamente, as circunstâncias hoje são outras, são diversos os problemas, devem, pois, ser diferentes as soluções. Agora, mais do que nunca, é mister ousar, é mister inovar, é mister destituir-se de preconceitos e de verdades absolutas.

Entendo que, atualmente, encontra-se na Constituição brasileira um dos maiores entraves ao nosso desenvolvimento. A realidade, na qual ela se assentou, não existe mais, é como se fosse um aparelho de TV analógico funcionando para um mundo digital; é como uma emissora de rádio AM transmitindo em um mundo absolutamente sintonizado na faixa FM.

Desde a sua promulgação, em1988, foram inúmeras as mudanças já ocorridas e, entre várias, destaco: a queda do Muro de Berlim; a dissolução da União Soviética e o fim do comunismo na Rússia; a globalização das economias e a ascensão econômica da China e, de outro lado, uma verdadeira revolução verificou-se nos meios de comunicação com o advento da internet e dos aparelhos telefônicos celulares.

O renomado jurista Modesto Carvalhosa, em recente livro de sua autoria intitulado “Uma nova constituição para o Brasil” destaca:

“No Brasil o Estado é hegemônico, não restando à cidadania nenhum papel em nossa construção civilizatória. A sociedade civil é dominada por um Estado que se estruturou para preencher todos os espaços.

Essa dominação é fundada numa oligarquia que tem como instrumento a Constituição de 1988, que outorga privilégios institucionais à classe política e ao estamento burocrático, em detrimento daqueles que trabalham e empreendem no setor privado.

Os integrantes do setor público apropriam-se de todos os recursos provindos dos impostos coletados da sociedade, os quais são insuficientes para as folhas e as despesas dos políticos e dos servidores ativos e inativos, acarretando os fabulosos rombos fiscais.

Não sobra praticamente nenhum recurso para os investimentos públicos. Daí a fraca atividade de produção, o desemprego recorrente e a pobreza progressiva do povo brasileiro”.

O ex-ministro do Planejamento e senador Roberto Campos afirmou que, “na Constituição de 1988 a palavra direito aparece 76 vezes; dever, 4 vezes; produtividade, 2; e eficiência, 1 vez”.

E ele concluía: “como governar um país que tem 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência?”

 

Já o ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal – STF declarou à revista Época, bem antes de sua designação para o Supremo Tribunal Federal, que “A Constituição brasileira só não traz a pessoa amada em três dias. O resto, procurando, se acha”.

Sobre o tema Constituição fui buscar, nas seguintes palavras do saudoso presidente Juscelino Kubitschek, uma de suas melhores expressões:

 

“Direitos e deveres: eis a substância de um regime legal, a melhor garantia da Constituição. Pois a Constituição — devemos proclamá-lo com sinceridade, coragem e franqueza — não pode ser apenas um instrumento para facultar direitos e privilégios a certas classes e a determinados cidadãos, provocando desigualdades, conflitos, agravos e injustiças.

A sua característica precisa ser a equanimidade, e o seu sinal definidor deve ser o equilíbrio entre todos os cidadãos e todas as classes.

Na verdade, em face da Constituição e das leis ordinárias que dela decorrem, para todos devem existir ao mesmo tempo direitos e deveres, prerrogativas e responsabilidades. E estou certo de que, na elaboração de algumas leis complementares e de algumas leis ordinárias, que já se vão tornando tão urgentes, necessárias e imprescindíveis, o Congresso Nacional será sempre sensível a este problema fundamental para a valorização do espírito e da letra da Constituição.

Desde o presidente da República até o mais modesto cidadão, em todas as classes e profissões, todos devem responder, nos termos da lei, pelas suas ações expressas, seja por escrito, seja na prática.

É o que o povo espera dos seus representantes no Congresso Nacional para o aperfeiçoamento completo e a estabilidade definitiva da Constituição, em leis complementares ou em leis ordinárias que assegurem a igualdade entre os cidadãos e garantam a justiça nas relações sociais entre os homens e entre as classes.

Pois a liberdade de um cidadão — no seu clássico e invariável conceito — só é legítima e válida quando não se choca com a liberdade de outro cidadão, quando ninguém tem o abusivo direito ou o odioso privilégio de atingir, sem punição e sem responsabilidade, a honra de outro cidadão e a sua dignidade de pessoa humana”.

E ainda, nesse sentido vou, ainda, acrescentar um outro texto de JK, extraído de seu discurso de 5 de junho de 1956, proferido no Supremo Tribunal Federal:

“Não se pode admitir, numa democracia, nada que se assemelhe a uma ditadura de qualquer dos três Poderes da União. E ai do Poder que sai da sua órbita, arrogando-se privilégios e prerrogativas em violação do texto constitucional.

Sabemos, historicamente sabemos, que o pior de tudo será para o Poder que se hipertrofiou, num futuro próximo, quando se restabelecem com uma perfeita normalidade as regras e normas desobedecidas ou violentadas. E, como sempre acontece, aquele dos Poderes que mais se hipertrofiou e mais se exaltou será o mais humilhado.

Tradicionalmente e nos termos da atual Constituição, um papel de importância e proeminência do Judiciário é o de servir de força de equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo, tudo isto, aliás, em função dos interesses em conjunto do Estado, integrada que se acha a magistratura na fórmula fundamental do regime presidencialista, que é a dos três Poderes independentes, sim, mas igualmente harmônicos, funcionando para os mesmos objetivos.

Está especialmente fadado o Supremo Tribunal para essa missão, facultadas que lhe foram condições para se pôr a salvo e imune de preocupações funcionais ou paixões partidárias.”

O dínamo da economia responde pelos nomes de confiança e credibilidade e, se ele não for resgatado, não conseguiremos sair do impasse do qual há muito nos encontramos prisioneiros e reféns.

Impõe-se, assim, desarmar essa perversa armadilha e iniciarmos a realização de nova agenda nacional.

Para esse fim, uma das questões que precisa ser considerada crucial e urgente é a convocação de uma Assembleia Constituinte Revisionista Exclusiva, para traduzir a Constituição Federal à luz de uma nova realidade e de outro nível de exigências. Eleita pela sociedade e a ser integrada por seus múltiplos representantes. Entre os seus objetivos, além de outros, devem fazer parte da sua pauta: as reformas política, administrativa, jurídica, tributária e agrária; a educacional, a previdenciária e a modernização das relações do capital e trabalho; e, porque não, também a redução da maioridade para efeitos penais, o fim do voto obrigatório, o impedimento de criação de novos municípios e, até mesmo, a alternativa de fusionamento entre eles.

Para que isso possa ocorrer, será necessário coragem, ousadia e buscar o novo. Nesse sentido, a premissa básica tem de ser a transformação do País em uma nação desenvolvida, mais justa e próspera.

Basicamente, não precisamos inventar nada de novo ou criar novas rodas, bastando seguir e aplicar modelos mais bem-sucedidos e já consagrados nos países desenvolvidos – e isso se chama benchmarking.

Enalteço, especialmente nesta oportunidade, o nome do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, o Profeta do Desenvolvimento. JK diagnosticou que o crescimento econômico vigoroso, consistente e contínuo era o remédio certo para tirar o Brasil do atraso e posicioná-lo numa trajetória rumo ao desenvolvimento. Ele estava, continua absolutamente correto e esta fórmula permanece perfeitamente válida para os tempos atuais.

Neste mês de setembro o BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – uma outra relevante marca de Minas está completando 60 anos de fundação.

Há mais de 30 anos, na qualidade de presidente da instituição, liderei um estudo intitulado Economia Mineira: Diagnóstico e Perspectivas. Como uma homenagem ao BDMG – entre os vários elementos destacados naquele estudo e que compõem a vasta dimensão dos seus assuntos analisados e tratados, reproduzo aqui, alguns destaques especiais – ressalvando que, àquela época, Minas Gerais era a segunda maior e mais importante economia do País.

Vários desses assuntos constituem, na atualidade, autênticas fontes inspiradoras a novas tomadas de decisão na busca pela reversão ao quadro de estagnação econômica no qual nos tornamos prisioneiros.

Um deles é que “a premissa de que a trilha do País no futuro há de ser identificada e associada como a trilha da modernidade: do crescimento econômico vigoroso – sustentando e sustentável – sintonizado com as grandes e cada vez maiores transformações que se verificam na economia internacional, e voltado para a minimização dos problemas sociais; da democracia, plena e efetiva, onde a real participação de todos os segmentos da Sociedade, nas decisões políticas do País, não se traduza apenas na mera defesa de interesses corporativistas ou no populismo inconsequente, mas que possa sintetizar as suas aspirações maiores, transformando-as em ações factíveis, na direção firme do progresso.”

Sem a ocorrência de substancial crescimento econômico não há saída para nós brasileiros e se este barco chamado Brasil afundar, todos nós também afundaremos, independentemente de estarmos mais à sua esquerda, centro ou direita. Urge, por esse motivo, despolitizar e desideologizar o debate econômico.

Há muito, o Brasil está acometido de uma doença que intitulo de “síndrome do raquitismo econômico” – em função da retração dos níveis de sua economia ou pela estagnação da atividade econômica – fatores esses que podem ser considerados uma completa indignação quando, principalmente, comparados com as médias alcançadas pela economia mundial. Já há quase quatro décadas o país cresce como rabo de cavalo, para trás e para baixo. A constatação é que, simplesmente, desaprendemos a crescer, a nossa máquina propulsora do crescimento econômico vigoroso e contínuo enferrujou-se ou está quebrada.

País que não cresce economicamente está condenado ao ananismo, ao atraso e ao empobrecimento. Isso potencializa tensões e eleva as perspectivas sociais a condições explosivas – podendo colocar em risco a ainda incipiente democracia brasileira.

A instabilidade e as sucessivas crises têm levado a política econômica brasileira a uma postura eminentemente imediatista, onde a busca da estabilização ofusca todos os problemas de médio e longo prazos.

A obsessão pelas questões conjunturais retira da economia qualquer referencial, qualquer norte. A maior parte da energia social esgota-se na persecução do equilíbrio das contas públicas e da redução dos índices da inflação.

Os brasileiros precisam recuperar a bandeira de nossas bandeiras, que é a Esperança!

O Brasil requer se reconciliar com o crescimento econômico vigoroso, consistente, contínuo, sustentável e eleger o desenvolvimento como a nossa meta prioritária número 1!

O crescimento econômico vigoroso deve deixar de ser apenas uma casualidade, uma questão episódica, uma efemeridade, um acontecimento meramente fortuito para se transformar, efetivamente, na grande meta econômica nacional, permeando a convolação do País em uma economia madura e desenvolvida. Nesta direção já tivemos, antes, vários exemplos de sucesso e que, presentemente, poderiam nos servir de inspiração, como foi o Plano de Metas, implementado durante o Governo JK.

Repito, país que não cresce economicamente é país condenado à pobreza e ao subdesenvolvimento, e, por isso, torna-se imprescindível o estabelecimento de uma “Agenda Estratégica para o Desenvolvimento Nacional” – em que a transformação do Brasil em Nação Desenvolvida seja o grande e maior objetivo.

JK já afirmava que as maiores ameaças à democracia são a miséria, o desemprego e o subdesenvolvimento. A busca obsessiva pela estabilidade econômica tem nos ofuscado todas as possibilidades de colocar o desenvolvimento como a nossa grande, prioritária e fundamental meta nacional, e corremos ainda o risco de ficarmos durante vários anos, ainda pela frente, relegando o crescimento vigoroso pela discussão centrada apenas no ajuste e no equilíbrio das contas públicas. E, enquanto isso, os níveis de emprego e sua qualidade, de renda e do endividamento público só tendem a piorar, alcançando situações desconfortáveis e de desconfiança dos empresários e dos investidores.

JK também já alertava que é preciso que nos capacitemos, de uma vez para sempre, de que o desenvolvimento do Brasil é uma condição ligada à nossa sobrevivência num mundo que se impõe, mais e mais, pela força de sua vertiginosa marcha técnica.

De acordo com JK não temos de nos desenvolver apenas por ambição mesmo justa, mas desenvolver para sobreviver.

Reforço que o desenvolvimento econômico precisa convolar-se como a nossa Meta Prioritária e Número Um. Para que isso venha a ocorrer requer-se uma transformação radical e, principalmente, uma mudança de mentalidade. É como o presidente Juscelino Kubitschek também já afirmava:

Não se faz, não se opera a modificação de um país, sem que haja também uma mentalidade, a mentalidade para o desenvolvimento, a mentalidade de um grande País”.

Para concluir, reproduzo a seguir expressões que usamos na elaboração daquele estudo a que antes já havia me referido e intitulado Economia Mineira – Diagnóstico e Perspectivas:

“Minas é o Estado-Síntese do País. Daqui deve ecoar, neste momento em que o País está apreensivo pelas suas dificuldades momentâneas e por isto impossibilitado de enxergar o futuro que tem em suas mãos, um grito de esperança e fé. Mas, também, deve ressoar um clamor pela adoção de atitudes novas, corajosas e criativas por parte da Sociedade e do Governo, único caminho para que o sonho se torne real.

Devemos tratar de buscar uma nova mineiridade, não ensimesmada, mas extrovertida, transparente, permeável, aberta, posto que ainda discreta e recatada;

A visão que se descortina para o futuro próximo pode (precisa e deve) ser considerada otimista e que caminharemos rumo ao nosso habitat natural, o habitat do desenvolvimento e das transformações econômicas e sociais.

No entanto, não significa acreditar na automaticidade da superação dos problemas, mas, ao contrário, ter convicção de que, mais do que nunca, requer-se da Sociedade e do Governo posturas novas, criativas e ousadas.

A aposta que se impõe fazer é no desenvolvimento do Estado e do País e na possibilidade de conciliar-se o crescimento vigoroso e a modernização da economia, com a justiça social e democracia”.

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