Encontrei esta mensagem, que transcrevo integralmente a seguir, entre os quase quatrocentos discursos proferidos por JK durante o seu mandato na Presidência da República. Transmitida pela Voz do Brasil, bem no início de seu governo, em 17 de fevereiro de 1956, esta mensagem versa sobre as primeiras manifestações sobre o seu programa governamental e aborda relevantes questões daquela época, entre as quais a necessidade imperiosa de fazer o país crescer vigorosamente mantendo um rígido controle das despesas e das contas públicas para se evitar os déficits orçamentários e, de outro lado, governando-se de porta abertas, sem ódios ou ânimo de vingança.

Este importante pronunciamento de JK integrará – além de outros 250 – um conjunto de textos e narrativas sobre a trajetória política deste que é considerado um dos mais notáveis personagens da nossa história. Sob o título de JK – Profeta do Desenvolvimento e que ora se encontra em fase de finalização, esta obra busca resgatar – de forma desideologizada e despolitizada, o debate sobre a reconciliação do Brasil com o desenvolvimento e o crescimento econômico vigoroso, contínuo, consistente e sustentável. O texto abaixo, sem nenhuma dúvida, mais do que uma provocação nesse sentido, é uma sinalização clara e precisa de que podemos ser os senhores do nosso tempo e de nossas realizações. Só depende de nós mesmos!

“Brasileiros,

Depois de quinze dias de empossado na Presi-dência da República, venho transmitir ao povo as minhas primeiras impressões, mostrar-lhe o quadro de alguns problemas do país e dos propósitos do Governo, o que, aliás, farei frequentemente. Começo a cumprir a promes-sa de governar de portas abertas, sem nada esconder ou disfarçar. Desejo manter o povo informado de tudo o que pensamos e fazemos no governo, sendo este um direito do povo e da nossa parte um dever. Quero que todos os atos da minha administração sejam conhecidos, olhados e analisados livremente.

Chego a este posto vindo de muito longe, de muitos meses de peregrinação e combatividade, de grandes lutas e duros sofrimentos, de ferozes incompreensões e pesadas injustiças como candidato à Presidência da República. Mas não estou fatigado, nem desencantado. Não trago no coração nem ódio, nem ressentimento, nem ânimo de vingança. Do apoio do povo, das suas aclamações nos comícios e dos diálogos com as populações de todos os quadrantes do Brasil — recolhi a força interior, a flam idealista, a energia vital e a capacidade de trabalho com que sempre me colocarei à altura das minhas responsabilidades e dos meus deveres de chefe de Estado. Foi o povo que me trouxe até aqui com os seus votos e a sua solidariedade, e ao povo, por isso, quero fazer a doação, durante cinco anos, de todas as minhas horas, de todas as minhas preocupações, de toda a minha vida a serviço dos seus interesses e das suas necessidades. O povo, que me ouviu do Amazonas ao Rio Grande do Sul, pode ficar certo de que estarei sempre ao seu lado, de que não esquecerei os seus problemas e não decepcionarei as suas esperanças.

Nos princípios de outubro, no dia em que se pôde verificar como certa a minha eleição, pensei comigo mesmo: isto não é o fim, é o começo. Era o fim, era o encerramento de uma campanha eleitoral, mas era sobretudo o começo de uma obra de governo com que vou retribuir ao povo a sua confiança. No dia da minha posse, com as aclamações consagradoras do povo nas ruas e a tão honrosa presença em nosso território da representação diplomática de sessenta e um países estrangeiros, vi naquele espetáculo emocionante e inesquecível o coroamento de uma vitória; e não apenas a vitória da minha candidatura, mas de uma causa, de uma bandeira e de um programa.

Aqui estou agora para falar à Nação, depois de quinze dias de governo. Não posso dizer que tenha tido surpresas, nem que me esteja defrontando com problemas inesperados. Conhecia a situação do Brasil, conhecia principalmente as dificuldade desde vida do povo brasileiro, empobrecido cada vez mais na desvalorização de uma moeda que perde cada dia, na desordem da inflação, um pouco mais do seu valor aquisitivo. Todas as dificuldade do povo, com efeito, se resumem nesta palavra terrível e nesta realidade devoradora: a inflação. A inflação determina a alta dos preços e a penúria do povo, o que significa a desordem em toda a situação econômica do país e sacrifícios já insuportáveis para a classe média e a classe operária. E é neste terreno, é pelo combate incessante e intransigente contra as causas e os efeitos da inflação, que temos de começar. E é neste terreno que já comecei a agir com as minhas primeiras decisões e as minhas primeiras providências, tendo em vista que o problema fundamental do governo é enfrentar a gravidade da crise inflacionária.

Para atingir este objetivo, vamos lutar em duas frentes: uma política de rigorosa economia e poupança nos gastos, com a supressão de despesas supérflua sou adiáveis, com o corte de todos os investimentos oficiai para obras suntuárias, isto por um lado; uma política de desenvolvimento em largas proporções, com os recursos oficiais e os estímulos à iniciativa privada concentrados no esforço do aumento de produtividade, com um programa de enriquecimento pela reestruturação econômica do país, isto por outro lado.

Bem sei, e esta é a lição da experiência, e esta é a lição dos economistas e financistas: não se pode combater a inflação só por compressão, mas por compressão e expansão. Levando em conta esse princípio é que tenho dois programas que se harmonizam e entrosam num só objetivo: um programa de longo alcance e caráter estrutural, amplo e profundo, com base no trinômio energia, transporte e alimentação, mas cujos resultados só serão apreciados e aproveitados por inteiro dentro de quatro ou cinco anos; e um programa de emergência, com providências imediatas e realizações rápidas, que venham dentro de alguns meses melhorar a situação do povo no seu primeiro e angustioso problema do custo da vida a subir por efeito da onda inflacionária conjugada com a escassez e a insuficiente circulação dos gêneros alimentícios no território nacional.

Para a realização do meu programa estrutural e de longo alcance, comecei por criar, mediante decreto assinado no primeiro dia do governo, o Conselho do Desenvolvimento, que terá a incumbência de estruturar as minhas ideias e a minha política de expansão econômica do país, preparando planos e programas de ação, sugerindo projetos de leis e atos administrativos, em articulação com os ministérios e demais órgãos da administração. Atingiremos, estou certo, as metas anunciadas na primeira reunião ministerial e outras que ainda estão sendo elaboradas. E aproveito a ocasião para esclarecer que essas metas não visam a beneficiar nenhuma região do Brasil, isoladamente, mas a todas as áreas do país, sem distinções nem fronteiras internas. Assim, respondo prazerosamente aos trinta e oito parlamentares que me dirigiram um memorial com apelo pela incorporação do Norte e do Nordeste à economia do Brasil, o que nunca deixou de estar nas minhas cogitações. Acolhi com satisfação as sugestões que me enviaram e que serão estudadas com interesse e solicitude no Conselho do Desenvolvimento.

Mas o povo não pode esperar até que o programa estrutural do governo produza todos os seus efeitos. Sei e sinto que o povo precisa de algumas medidas imediatas de defesa contra a inflação, de algumas providências que venham melhorar as suas condições de vida e tornar menos cruel o seu drama cotidiano pela mera subsistência. É do meu programa de emergência, a ser executado imediatamente com medidas rápidas e produtivas no setor do crédito rural e a construção de uma rede de silos e armazéns, que poderá estar pronta e em funcionamento dentro de poucos meses, resolver o problema da conservação e distribuição dos gêneros alimentícios, com uma repercussão favorável no custo da vida.

Ao lado disto, estou empenhado numa política de compressão de despesas, de rigorosa economia, de intransigente defesa dos dinheiros públicos. Uma política de poupar nos gastos, de evitar novas despesas, de impedir a má aplicação ou a pulverização dos recursos orçamentários. Neste sentido, com energia e espírito de justiça, serei severo com os displicentes, os indiferentes à sorte do povo, e, sobretudo, com os desonestos, os corruptos, os responsáveis por malversações dos dinheiros públicos. Pode estar certo o povo de que nem um cruzeiro que seja dos dinheiros públicos será aplicado senão em serviços de interesse público. Assim, com uma das medidas mais salutares e decisivas para deter a inflação, espero alcançar, embora não ainda este ano, mas proximamente, o indispensável equilíbrio orçamentário.

E aqui me aproximo do problema do dia, que é o aumento de vencimentos dos servidores civis da União, em curso no Congresso com o projeto de reclassificação de cargos e funções. Desejo enfrentar o assunto com lealdade e franqueza. Com o pronunciamento que vou fazer, estarei defendendo ao mesmo tempo os verdadeiros interesses do funcionalismo e os legítimos interesses do povo em geral. As promessas que fiz ao funcionário público, como candidato, serão cumpridas pelo chefe do governo. Afirmo e proclamo, neste sentido, que a minha opinião é que aos servidores civis deve ser concedido um aumento de vencimento equivalente ao que foi votado para os militares, seja dentro de um plano justo e razoável de reclassificação, seja mediante uma equiparação dos padrões atualmente vigorantes no funcionalismo civil aos padrões das patentes militares. Esta é a minha opinião, que me sinto no dever de tornar pública, sobretudo quando de tantos lados vem sendo solicitado o meu pronunciamento.

Não devemos fazer distinções entre civis e militares, pois são todos igualmente servidores do Estado, merecedores de idêntica consideração, uns e outros com as mesmas dificuldades de vida.

Fixada esta opinião — que não deixará nos servidores do Estado nenhuma dúvida a respeito do meu propósito de ir ao encontro de suas aspirações e necessidades, tratando-os com solicitude e espírito de justiça — devo manifestar-me também sobre o plano de reclassificação no estado em que se encontra atualmente. Consideramos de início que ele acarretaria ao Tesouro uma despesa da ordem de vinte e dois bilhões de cruzeiros, dada a sua extensão ao pessoal das autarquias industriais, aos inativos e pensionistas, enquanto o aumento equivalente ao dos militares — ou por uma equiparação segundo os padrões vigorantes ou por uma reclassificação com igual teto no quantum — acarretará, avaliada com aquela mesma extensão, uma despesa prevista da ordem de catorze biliões, quantia ainda muito pesada para os cofres públicos, como se vê, mas não tão desproporcionada.

E já imaginou o povo o que significam essas despesas com aumentos concedidos depois da votação da lei orçamentária, despesas sem a cobertura de correspondente receita? Significam déficits, por força de despesas impreteríveis, déficits fatais, obrigando o governo a lançar mão de maiores emissões e dificultando cada vez mais o combate à inflação. Num ritmo assim acelerado, corremos o perigo de cair na inflação galopante, quando a autoridade governamental se afunda impotente na rotina de fazer rodar a máquina de imprimir dinheiro e lançar cédulas que a cada instante valem menos. Para o povo, isto ocasionaria o asfixiamento, a desordem, o caos, o caminho aberto para o desespero e a agitação social.

Mas não é o déficit orçamentário a única razão que me coloca em posição contrária ao plano de reclassificação no seu estado atual. A outra, igualmente decisiva, é que ele não atende aos interesses do próprio funcionalismo, nem à organização técnica dos servidores públicos. E uma reclassificação mal feita é pior do que nenhuma reclassificação, pois, se assim for votada, nunca mais permitirá uma autêntica, justa e perfeita reclassificação. Trata-se de um assunto técnico, a ser tratado tecnicamente. O projeto como se encontra no momento carrega no seu bojo contradições aberrantes e injustiças intoleráveis. Eis algumas delas: corrida aos níveis mais altos, criação de novas séries de classes, paralelismo, superposição e duplicidade de funções, subversão radical da hierarquia, desinteresse para com certas carreiras, desproporção das tabelas, descalabro financeiro das autarquias. Foram concedidas elevações de um, dois, três, quatro, cinco, seis e, até, sete níveis de classificação e vencimentos, subvertendo-se por completo a hierarquia funcional. Houve classes de funcionários beneficia dos com aumento de 70%. Enquanto outras ficaram em 20 e 30%, restando algumas que nenhum aumento tiveram, como se fosse possível a existência de castas entre os servidores do Estado. Sou partidário do aumento para os funcionários, mas não das injustiças do aumento.

Uso uma imagem para oferecer à opinião pública uma ideia do que é o plano de reclassificação nos termos em que se encontra atualmente: se aprovado, isto seria como se o presidente da República nomeasse, num só dia e com uma só penada, cerca de duzentos e cinquenta mil novos funcionários nos padrões atuais, ou seja, aproximadamente, o total do funcionalismo civil existente no momento. Seria como se fosse dobrado, num dia, o número dos funcionários. Poderia o povo compreender um tal gesto e poderia a Nação perdoar a um chefe de Estado uma tal conduta?

Estes são os dados que me foram fornecidos objetivamente e que me levaram à convicção de que, em vez da adoção do plano de reclassificação nos termos em que se encontra, devemos todos, o Poder Legislativo e o Poder Executivo em colaboração, procurar uma solução mais favorável para o próprio funcionalismo e mais adequada aos interesses do Estado.

Pareceu-me, ao primeiro exame mais atento do problema, que a melhor solução agora seria o aumento de vencimentos a ser concedido em equivalência ao que foi votado para os militares, preparando-se em seguida, pelo trabalho de órgãos técnicos, um novo, verdadeiro, legítimo e justo plano de reclassificação.

Ontem, porém, estive em contato com representantes de duas prestigiosas e autorizadas organizações de classes do funcionalismo, a União Nacional dos Públicos e o Grêmio dos Oficiais Administrativos, Escriturários e Datilógrafos Federais, que me afirmaram contar com o apoio de mais oito associações. Todos se declararam, nas entrevistas comigo, igualmente contrários ao plano de reclassificação no estado em que se encontra atualmente, considerando-o inviável pelas despesas desproporcionadas aos recursos da União, e insatisfatório pelas injustiças e desajustamentos que provocaria dentro do próprio funcionalismo. Concordaram todos com os argumentos que desenvolvi acima e que lhes expus, nos dois encontros. Fizeram-me sentir, porém, que a aspiração do funcionalismo é o aumento com uma reclassificação imediata e não o aumento puro e simples, nos padrões vigentes. Prontificaram separa isso a apresentar em colaboração com o D.A.S.P., um novo plano de reclassificação, sem as injustiças e os ônus astronômicos do que se encontra em curso, plano que seria submetido imediatamente à aprovação dos líderes parlamentares para que fosse apresentado, logo na próxima semana, como um substitutivo no Senado. Demonstraram-me que é possível a reclassificação, nesse substitutivo, com a mesma despesa total que acarretaria o aumento nos padrões vigentes em equivalência ao aumento concedido aos militares. Afiançaram-me, em suma, que a reclassificação poderá ser feita com as despesas num teto de pouco mais de sete biliões de cruzeiros, que serão de fato catorze bilhões, com a sua extensão já aludida às autarquias industriais, aos inativos e pensionistas, mas de qualquer forma a mesma despesa prevista para o caso do aumento de vencimentos nos padrões vigentes.

Declarei-me de inteiro acordo com as ponderações e as sugestões daquelas duas organizações de classe do funcionalismo, que me foram trazidas por intermédio de seus representantes. Só me havia colocado em posição contrária ao plano de reclassificação por causa de suas despesas desproporcionadas e das suas injustiças em relação ao próprio funcionalismo. Se cessam as contraindicações, igualmente cessam as minhas objeções. E me disponho a colaborar através de entendimentos com os líderes no Congresso a fim de que um substitutivo possa ser apresentado dentro de alguns dias no Senado, satisfazendo a todos, ao Parlamento, ao Governo, aos funcionários.

Mesmo assim, não quero esconder da Nação, antes desejo proclamar, que uma situação nova de agravação do déficit orçamentário estará criada com os aumentos de vencimentos: não participei da elaboração do orçamento de 1956, que foi votado antes da minha investidura na Presidência da República e que tenho apenas de executar da melhor maneira. Embora, por circunstâncias bem compreensíveis e justificáveis somente depois de votado o orçamento o Congresso venha votando os aumentos, esses ficaram, por isso, sem cobertura e sem receita correspondente no orçamento, indo para o sistema das consignações em leis autorizativas de créditos adicionais, os quais só poderão ser atendidos com emissões, isto é, com a fabricação de dinheiro.

Calcula-se — e digo calcula-se porque ainda não foram votados todos os aumentos — que o déficit por efeito da elevação dos vencimentos dos civis e militares — aí compreendidos também o dos inativos, o dos pensionistas, o do pessoal das autarquias industriais, além do já previsto de operação dessas mesmas autarquias industriais — calcula-se que o déficit no orçamento de 1956 ficará entre vinte e vinte-e-cinco bilhões de cruzeiros. E isto significa, repito, dinheiro a ser emitido, porque não foram dados ao governo novos recursos de arrecadação e de receita no mesmo orçamento. Vinte bilhões de cruzeiros — e peço a atenção para o contraste que se torna espantoso, por indicar que este ano pode ser um ponto culminante no ritmo crescente e acelerado da crise inflacionária— vinte bilhões de cruzeiros são todo o dinheiro emitido de 1930 a 1947. Poderemos chegar deste modo à situação dramática de emitir num só ano o volume total de papel-moeda que foi emitido em dezessete anos.

Se fosse aprovado o plano de reclassificação como se encontra atualmente, então o déficit se situaria entre trinta e trinta e cinco biliões de cruzeiros, o que representaria a metade do orçamento de 1956, cujo total é de setenta bilhões, e muito mais do que todo o orçamento de 1952, cujo total foi apenas de vinte-e-cinco bilhões. E não há eloquência que suplante o terrível impacto desses números.

Desejo que o povo conheça de perto e de frente a realidade. Não sou o responsável pela situação que estou expondo. Esta é a herança que recebi, e não poderia ser mais terrível, nem mais ameaçadora. Não vou fica, porém, de braços cruzados, em atitude de Cassandra. Vou lutar e enfrentar todas as dificuldades de um lado, com um rigoroso e inflexível programa de economia nas despesas e de adiamento nas autorizações orçamentárias, o governo fará baixar o volume de déficit. Por outro lado, vou promover a fundo e com intensidade a expansão econômica do pais, de modo a criar riquezas que ofereçam recursos suplementares para enfrentarmos o déficit e impedirmos que as ondas de inflação subam até o ponto de a todos devorar, aos inocentes como aos responsáveis por esta sua propagação como uma praga.

Mas não chegaremos à catástrofe econômica nem ao colapso financeiro. E, para essa reação saudável e forte, espero contar antes de tudo com o apoio e a colaboração dos representantes do povo na Câmara dos Deputados e dos representantes das Unidades Federativas no Senado Federal. Na verdade, não é o Congresso que deve ser responsabilizado pela situa-ção. Ao contrário. O que tem faltado há mais de um ano no Brasil, provocando o desequilíbrio da situação política e agravando a desordem da situação econômica, é o entendimento natural, é a colaboração imprescindível entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, num regime em que os Poderes do Estado são caracterizados constitucionalmente como harmônicos entre si. E harmônicos, realmente, são hoje o Poder Legislativo e o Poder Executivo, tendo o governo a honra de contar no Congresso com uma sólida base parlamentar e estando o Congresso prestigiado pela colaboração e pelas luzes que lhe solicita o governo para a solução dos problemas nacionais. Neste sentido, espero e confio que o Congresso, para ajudar o governo a enfrentar o déficit orçamentário, votará leis com recursos de novas receitas, como a da reforma de tarifas e outras que o Poder Executivo solicitará em próximas mensagens. Somente assim, com novas fontes de receita facultadas em leis do Congresso e, mais, com as providências governamentais que já anunciei, será possível chegarmos ao fim deste ano sem que se verifique de fato o déficit previsto nas condições do orçamento, o que determinaria emissões de papel-moeda num ritmo de consequências imprevisíveis.

Quis ser realista, objetivo, exato e sincero, mas não pretendo com esta exposição alarmar o país, nem lançar o povo na desesperança. Atravessaremos este mar revolto e tempestuoso, e a Nação pode confiar nos seus dirigentes, no seu presidente da República, porque verificará que existe realmente um governo neste país, um governo que não o deixará ao leu e ao jogo das circunstâncias. Dirigindo-me ao povo, falando-lhe nesta linguagem direta e honesta, não lhe quis ocultar uma realidade difícil, embora não desesperadora. Esta exposição sobre o estado econômico e financeiro do país é um rasgar de véus para a visão, a fundo, com toda a nitidez, das nossas dificuldades até agora mal divulgadas. Vejo que o povo já está cansado de engodos, ilusões, aparências e mentiras. E prefere agora olhar de frente, corajosamente, a realidade difícil e saber que sacrifícios são necessários de todos — governo e particulares — para que se realize uma recuperação material e moral na estrutura do país.

Não se procure encontrar no quadro traçado qualquer nota de pessimismo ou desânimo, que isto não é da minha natureza, impregnada de entusiasmo criador e de confiança nos outros homens e em mim mesmo, mas antes se deve ver nas minhas palavras a corajosa deliberação do governo de analisar e dominar a crise econômico financeira depois de se haver ultrapassado a crise política. Recuso-me, hoje como sempre, a entrar no terreno das promessas impossíveis ou da demagogia entorpecente. Mas o alto custo de vida que impôs o aumento dos servidores de Estado, classe média, atormenta também a classe operária. É uma situação de fato que deve ser examinada à luz da mais exata realidade.

O meu governo estudará este problema dentro do interesse superior que deve presidir às deliberações destinadas a melhorar o padrão de vida e assegurar a tranquilidade dos trabalhadores. A atribuição conferida ao presidente da República de regulamentar essa matéria será exercida com justiça e dentro dos compromissos que assumi de manter, preservar e defender as conquistas e os direitos dos trabalhadores.

Tenho sempre comigo dois objetivos:

1) a utilização das nossas riquezas para a emancipação econômica do Brasil;

2) a dignidade de tratamento e de condições de vida para os trabalhadores brasileiros. E isto significa a harmonia entre o capital e o trabalho. Para o capital, desejo a expansão que cria o desenvolvimento e a produtividade; para o trabalho, exijo a justiça, que cria a dignidade da pessoa humana e a valorização social dos operários.

Quaisquer que sejam as nossas dificuldade se as nossas crises, delas nos salvaremos na proporção em que, povo jovem que somos, tivermos a inspiração, o ânimo e o poder de fidelidade ao espírito da juventude. E a beleza, o encanto, a força misteriosa da juventude é que ela não é apenas uma idade. É um estado de espírito. Somos sempre jovens quando dentro de nossos corações não se extinguem a fé, a confiança, o desinteresse, o devotamento às grandes causas, os dons de olhar para a frente sem arrogância, sem medo, sem ódios, mas com espírito de justiça, sem mesquinharias ou ressentimentos, mas com a bondade e a generosidade que não significam fraqueza nem tolerância com o mal.

Poderia confessar-me agora ao povo na mais íntima, na mais sincera das minhas tendências, e eis o que seria encontrado no centro das minhas preocupações: um propósito alto de paz, um empenho profundo em unir brasileiros numa tarefa de trabalho construtivo e realizações de interesse nacional. Apelo nestes termos para os partidos políticos, para as organizações de classe, para todos os homens de responsabilidade, esperando que tenham a mesma compreensão e se mostrem animados dos mesmos propósitos. Resumo o meu pensamento neste instante em três palavras: paz, ordem e trabalho. E isto é o que me impõe o meu senso de dignidade da vida pública e o meu amor ao Brasil”.

 

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