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Por: Olavo Romano

 

 

Angelo Machado tomou posse na Academia Mineira de Letras, na vaga de Bartolomeu Campos Queiros, o saudoso Bartô. Honrado com o convite para saudá-lo, impressionou-me, mais do que o opulento currículo de professor universitário, cientista, ambientalista, escritor e dramaturgo, a misteriosa teia formada a partir de fatos que, aparentando casualidade, acabaram por desenhar uma sequência de chamados internos cujo atendimento o levaria a manifestar, de forma exuberante, seus múltiplos talentos.

Comecemos pelos bichos: toda criança gosta de bicho. Em seu primeiro contato com um, ele era pouco mais que um bebê e foi pego pela mãe levando uma barata à boca. Dona Laura, calmamente, apenas evitou que o filho ingerisse alimento impróprio para consumo. Mas, tocada pelo precoce interesse do filho, acompanhou-lhe os passos e pesquisas, coletas cada vez mais variadas.

 

Aos oito anos acompanhava a meninada do curso de aperfeiçoamento, levada pelo professor Henrique Marques Lisboa, catedrático da Faculdade de Medicina, para a Fazenda Velha, o atual Museu Abílio Barreto, até o límpido córrego que por ali passava para colher maria sapuda e acompanhar sua metamorfose. “Foi ele quem despertou meu interesse pela ciência”, lembra Angelo com gratidão.

Aos 12, o futuro cientista tinha uma conta na Livraria Oscar Nicolai, aberta pelo pai, Paulo Machado, com liberdade para comprar os livros que quisesse. Impressionou-se com A vida dos nossos animais, de Rodolpho von Ihering e começou sua rara biblioteca zoológica, na qual há 50 versões do Chapeuzinho Vermelho.

Aos 15 anos, todo orgulhoso, exibe à tia Lúcia cinco libélulas capturadas na fazenda do pai, em Açucena. Lúcia Machado de Almeida, que encantava os adolescentes com O Caso da Borboleta Atíria, O Escaravelho do Diabo e Estórias do Fundo do Mar, dentre outros, manda-o procurar o professor Newton Santos, diretor do Museu Nacional, que estava dando um curso no Instituto de Educação. O tímido adolescente se assusta com a resposta do professor: “Não vou dar nome de libélula nenhuma, não! Você vai pra casa, estuda isso aqui (o manuscrito de sua tese de doutorado), classifica o que conseguir. Volta amanhã, vamos ver o que acertou.”

Acertou umas, errou outras, mas aprendeu que podia fazer mais do que imaginava. “Se o professor tivesse me atendido, eu ficava naquelas cinco. Com o estímulo dele, aprendi a classificar libélulas, nunca mais parei”, lembra Angelo.

Nos dois anos seguintes, passou um mês de cada período de férias no Museu Nacional. Hospedado na casa do tio Aníbal, admirava-lhe o jeito calmo e cortês, via a casa encher-se para as infalíveis Domingueiras, sem reparar no desfile de ases da nossa literatura; talvez nem soubesse que o autor depreciosidades como Viagem aos seios de Duília, A morte do porta estandarte e João Ternura fora o primeiro goal keeper do Atlético – naquela época, só tinha olhos para as libélulas . Tampouco ligava para o pessoal do Tablado – jovens promissores que, pelas mãos da prima, viriam a brilhar na telona, na telinha e nos palcos. Os amigos de Maria Clara caçoavam: “Esse seu primo é engraçado. Em vez de se divertir, curtir a praia, o sol de Ipanema, vive enfurnado no Museu, estudando libélula”. Mais tarde, quando começou a escrever, pensou que talvez tivesse pego o perigoso vírus naquelas temporadas cariocas da rua Visconde de Pirajá. Também com o teatro, contaminado sem perceber por Maria Clara e sua turma.

Coroinha em Lourdes, descobre no Padre Pereira um estudioso de besouros. Começam coletando insetos semanalmente, acabam fazendo 10 viagens à Amazônia.

Nascido em uma família de admirados escritores – além dos tios Aníbal e Lucia, da prima Maria Clara, o próprio pai ganhara o prêmio Cidade de Belo Horizonte com o romance Família Feliz – surpreendeu os parentes ao optar pelo magistério e a pesquisa científica, só chegando à literatura aos 55 anos com O menino e o Rio. Achou “muito chata” a versão escrita na praia. De volta das férias, gravou a história e gostou do resultado. Uma grande editora recusou os originais, dizendo que literatura e ciência não combinavam. André Carvalho, com olhar de lince, bancou a publicação e convidou o autor para a Bienal, no Rio. No primeiro dia, o pessoal passava, olhava, seguia adiante. No dia seguinte, havia um aquário com um livro dentro de um pacote de plástico. Todo mundo parava, queria saber o que era aquilo, a conversa rendia, o livro virou um sucesso. Mas Angelo, em sua modéstia, só se sentiu um escritor de verdade quando O velho da montanha apareceu portando um jabuti.

Na juventude, voltava sempre com novidade da fazenda do pai, mas se entristecia de ver a redução da mata e dos bichos – “cada vez menos borboleta, menos jaó, menos nhambu”. O entomologista torna-se ambientalista, filia-se ao Centro para Conservação da Natureza, presidido por Hugo Werneck, “um dentista que gostava de passarinhos”. Zoólogo desde pequeno, aposentou-se como professor de neuroanatomia, fez novo concurso e continuou sua pesquisa sobre libélulas. O hobby agora é profissão. Agora, fazendo o que ama, não precisa mais trabalhar, como ensinava Confúcio.

Do Centro para Conservação da Natureza à Fundação Biodiversitas, foi um pulo.O foco passa à proteção das espécies ameaçadas de extinção e o zoólogo especializado em libélulas e em biologia da conservação vira um protetor do nosso sofrido planeta. Na companhia do “dentista que gostava de passarinho”, o “professor atraído por bichos” propõe ao governador Aureliano Chaves a criação da Secretaria do Meio Ambiente. José Israel Vargas implanta a Secretaria de Ciência e Tecnologia, incumbida de atuar sobre questões ambientais, pois o eco-desenvolvimento exigia tecnologias apropriadas. Na pioneira Comissão de Política Ambiental, com poder dedeliberação, o ambientalista Angelo Machado era voz potente e respeitada.

Da experiência com Jota Dangelo no Show Medicina, espetáculo humorístico-teatral de grande sucesso nos anos 50, renasceu o dramaturgo, batendo recordes de bilheteria e público, ganhando prêmio com suas peças, cinco das quais encenadas ao mesmo tempo.

No meio da meninada, está em casa. Na Bienal do Livro, instigou as crianças indagando se o bicho-pau era bicho ou era pau. Feliz com o sucesso, finge ciúmes: “Desconfio que eles gostam mais do bicho-pau do que de mim”.

O cientista popstar brilha na mídia. Depois de longa entrevista ao Pasquim, em 1991, vive falando sobre Ciência, Meio Ambiente e Literatura infantil. Só no Jô, foram cinco vezes. Indagado se ainda comia barata, lamentou que já não se fizessem baratas como antigamente. A um colega de magistério que se referiu a um homônimo escrevendo na revista Bundas (era o próprio Angelo), informou: “Estou também na Playboy”. “Pelado?”, quis saber o eminente colega, já pensando em atentado ao pudor acadêmico.

Terminou seu discurso de posse contando o caso do filho entrevistando-o sobre sua profissão. Ele disse que era professor, o filho pensou que o pai era médico. Sim, sou médico mas nunca exerci a profissão. Então, tomou bomba, imagina o menino, que só vê o pai mexendo com bicho e quem mexe com bicho é veterinário. Mas o pai é zoólogo. E também escritor, além de cientista. Cansado, o menino diz que o pai é uma confusão, e que ele vai fazer a pesquisa com a mãe. Dirigindo-se ao Presidente Orlando Vaz e aos acadêmicos, diz: “É esta cconfusão que adentra hoje na Academia Mineira de Letras”.

 

 

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