*Por Sérgio Augusto Carvalho

Mais de 30 dias se passaram desde a morte de Memmo Biadi, proprietário e Chef do Restaurante Dona Derna, e até hoje não encontrei um meio de expressar o tamanho da falta que sua presença vai fazer para o bem da culinária em Belo Horizonte – sua praia desde sempre!
Isso, sem dizer que, para os amigos, é impossível dimensionar a sua ausência.

Desde que comecei a frequentar restaurantes, nos anos 60, considerei a Cozinha do Dona Derna (na época era o Fontana di Trevi, a poucos quarteirões da minha casa) como uma das melhores do Brasil – o que já foi constatado por figuras imponentes do mundo gastronômico brasileiro, como Luciano Boseggia, Danio Braga, Sergio Arno, Dias Lopes, Josimar Melo e outros mais. Em Minas era um profissional admirado e respeitado pela velha e jovem guardas onde figuram craques como Maria Stella Libânio, Dona Lucinha, Edgar Melo, Targino Lima, Ivo Faria, Rodrigo Fonseca, Clóvis Viana, Jorge Ratner, Américo Piacenza e muitos mais.

Não era conhecido pelo seu nome completo: Guglielmo Alfredo Gino Biadi. Era famoso como Memmo e pela fantástica facilidade que tinha para construir pratos maravilhosos, do clássico ao contemporâneo. Estudioso da Gastronomia e da estrutura dos Alimentos, idolatrava a cozinha clássica do seu país, a Itália, e gostava de estudar e conversar sobre as características e estrutura orgânica dos ingredientes que usava na sua cozinha. Poucos conheciam os segredos dos ingredientes como Memmo.

A cozinha mineira o fascinava pela sua semelhança à tradicional cozinha italiana. Seu grande sonho era abrir uma restaurante Mineiro de alto padrão, com talheres de prata, porcelana portuguesa, toalhas e guardanapos de puro linho, taças e copos de cristal e a comida servida em travessas decoradas, como nos grandes banquetes da época imperial. Não realizou este, mas concretizou outros, em uma época que BH despertava para uma nova fase em sua vida gastronômica. Teve outras cinco casas que marcaram época: Casa dos Contos (com a pizzaria Dona Derna), Amice Miei, L`Insolite, La Brace e Vecchio Sogno. Todos premiados enquanto existiram.

O Vecchio Sogno foi um caso à parte. Eu o convidei, em nome da direção da Assembleia Legislativa, para comandar o restaurante da Casa. Ele aceitou, tirou do seu cofre o nome que já estava guardado e convidou para sócio o cozinheiro que ele mais admirava na cidade pela sua capacidade de preparar jantares espetaculares: Ivo Faria. Os dois, trabalhando juntos, montaram o melhor restaurante de Minas Gerais, um dos melhores do país. Depois de alguns anos, Memmo cansou de administrar tantas casas e vendeu sua parte para o Ivo.

Autodidata, a timidez era um freio na sua vontade de fazer contato pessoal com alguns dos seus ídolos no ofício, como o mestre italiano Gualtiero Marcchesi, de Milão, Dario Cecchini, o famoso açougueiro da Toscana, e Fábio Picchi, dono do Restaurante Cibreo, que passou para nós (estávamos juntos numa ida a Firenze, há 22 anos) a receita original do Limoncelo, o licor mais emblemático da Itália.

Memmo era tão tímido que não gostava de comparecer às entregas dos prêmios de “Melhores do Ano” oferecidos pelas revistas Veja, Gula, Encontro, 4 Rodas e outras publicações. Algumas vezes eu mesmo o levei “à força” para receber o seu troféu, numa época que esses eventos ainda não eram comerciais – realmente ganhavam os melhores.

Numa das últimas conversas que tive com Memmo, poucos dias antes do infarto que o levou, ele me revelou seu Novo Sonho, um projeto para quando acabasse essa infame Pandemia. Seria a novidade do cardápio do Dona Derna em 2021. Começou a criar porcos Piau na fazenda do Açude, da família da sua mulher, Marisaura. Construiu uma maternidade para produzir leitões que seriam abatidos em exatos 30 dias para fazer Confit di Maiale (Leitão na Banha), seguindo uma célebre receita toscana.

Dava pra imaginar o sorriso de satisfação que ele sentiu com os primeiros testes do novo prato. “Venha aqui para experimentar”, convidou, já sabendo que o porquinho confitado seria aprovado como tudo mais que ele fez numa cozinha.

Seu filho, Enrico Biadi (Guigo, que recebeu o nome do avô), herdou o comando do Dona Derna com a dura missão de preservar a alta qualidade do restaurante e manter viva a memória de uma grande Lenda da gastronomia mineira.

Memmo foi embora sem realizar o seu Último Sonho.

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