Jayme Vita Roso
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Mercado Comum Publicação Nacional de Economia, Finanças e Negócios
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A paz é indivisível

(Maxim Litvinov, diplomata soviético, 1920)

Liberdade é a capacidade de ser humano, de atuar segundo seus valores, critérios, razões e vontade”

(Benjamin Zeehandelarar, holandês sionista)

Em 16 de outubro de 2020, Samuel Paty, professor do ensino médio da escola pública Conflans-Sainte-Honorine, situada ao norte de um subúrbio de Paris, foi atacado por um jovem, filho de islâmicos chechenos, refugiados, que fugiram da Rússia quando ele, Abdoullakh Anzorov, de 18 anos, tinha 6 anos.

Às 17:00 horas, Anzorov seguiu, premeditadamente, o professor após o término de uma de suas aulas, esfaqueou-o, repetidamente, no meio da rua e, em seguida, brutalmente, o decapitou.

As câmeras de segurança filmaram o ato bárbaro, mas isto não se mostrou necessário: o jovem não negou o crime e, como se não fosse bastante, ainda postou em suas redes sociais a foto da cabeça decepada da vítima, seguida de ameaças ao governo francês (Macron) e aos “infiéis” que estão no poder.

Minutos depois, ao ser abordado pela polícia, ameaçou-os com uma arma de ar comprimido, sendo alvejado e sucumbiu.

Para além da violência que nos aturde e entristece, este ato cruel não se deve apenas ao extremismo do jovem que, no limite de indiferença contemporânea, também foi marginalizado pela sociedade europeia, está desenraizado. O que deve nos chamar a atenção é para outro crime bárbaro que subjaz a este, mas não menos importante, escondido por essa imprensa maldosa, é que: Paty foi ameaçado outras vezes, enquanto exercia sua profissão de professor e estava ciente das denúncias que os pais de uma aluna fizeram, continuamente, por mais de onze dias. Ninguém, nenhuma autoridade sequer levantou-se para tentar protegê-lo.

Paty costumava expor aos seus alunos, sempre que justificável, charges da Charlie Hebdo, na intenção de promover indispensável debate entre os alunos sobre a fundamental questão da ‘liberdade de expressão’: no fatídico dia, Paty levou uma edição de 2012 da polêmica revista que adereçava, ironicamente, o profeta Maomé como responsável por crime de ódio cometido contra o diretor de cinema Theo van Gogh, morto por um radical islâmico em Amsterdã em 2004 (disponível em: http://www.investigativeproject.org/pics/large/1109.jpg . Acessado em 24 de março de 2021).

Sabe-se que, em algum momento, durante a aula, certo aluno filmou, através do celular, o quadro negro com a “imagem ofensiva” da capa da Charlie Hebdo e, ao mesmo tempo, condenou Samuel Paty: retirou a aula de contexto.

Extremamente polido e respeitoso, ciente da delicadeza que orbita este debate hoje em dia na Europa, Samuel Paty convidou os alunos a se retirarem de sua aula caso viessem a se sentir ofendidos, mas que não deixaria de promover o debate sobre a necessidade de traçarmos uma linha respeitosa entre liberdade de expressão e o que se entenderia como a pura ofensa. Y. Chnina, aluna que estava presente no dia, reclamou com seus pais e parou de frequentar a aulas. Brahim Chnina, pai de Y. Chnina, replicou o vídeo em suas redes sociais chamando Paty de un voyou (um bandido).

O ódio demonstrado pelo pai da aluna, rapidamente, espalhou-se pela internet, multiplicando o vídeo no facebook, whattsap etc., o que só aconteceu por culpa das empresas comerciais. Em determinado momento, até mesmo uma petição surgiu em apelo à CCIF (Comitê Contra a Islamofobia na França) para que o professor fosse retirado de seu cargo por, supostamente, promover islamofobia. Outro ato do ódio indiscriminado que se espalha na ausência de forte repressão do aparato judiciário.

Este mal entendido escalonou, tomando proporção midiática e, como não poderia deixar de ser, enredou revoltosos, inflamando parte do país, o que acontecerá no Brasil em breve, se existir a judicialização e a participação de parte da imprensa para incentivar o impeachment. Paty tentou desarmar a situação, explicando a descontextualização do vídeo era danosa e o mau uso das novas formas de mídia não abarcavam a complexidade da situação, mas o resultado da tensão ocorreu do modo mais trágico possível.

Como poderia ter sido evitada esta complexa problemática?

É preciso rememorarmos que, em 7 de janeiro de 2015, ocorreu o Massacre da Charlie Hebdo, onde 12 pessoas foram mortas e 5 ficaram feridas após ataque levado a efeito pelos irmãos Chérif e Saïd Kouachi.

O julgamento dos crimes perpetrados teve início apenas em 2 de setembro de 2020, pouco mais de um mês antes do crime contra Samuel Paty.

Esta proximidade de datas não é mera coincidência!

Ora, o clima de tensão resultado do julgamento que tinha início dificultou a compreensão da situação, somado ao populismo característico dos governantes que se aproveitam de qualquer faísca oriunda das relações sociais para se autopromoverem, ao antissemitismo que se disseminou na França (tanto à esquerda, com figura de Dieidonné, quanto à direita, com Jean-Marie Le Pen) e ao uso mal intencionado das redes sociais, a catástrofe estava traçada, com as menções da imprensa. Anzorov, imigrante marginalizado, levado à perfídia pelos pontos supracitados, foi apenas um apêndice nesta hecatombe que se tornou a Europa atualmente.

A necessidade de discursos políticos moderados é preterida, deixada de lado, paulatinamente, em prol de maior radicalização. Apelos nacionalistas já estão em voga: Frédéric Chatillon abriu campanha para arrecadação de fundos em favor do Reagrupamento Nacional (Rassemblement National), partido marcadamente de ultra-direita, protecionista e conservador. E o botim ocorre nos bastidores das fortunas amealhadas por corrupção.

Os discursos de ódio se multiplicam em uma espiral que não parece ter fim, mas que sentiremos os efeitos nas próximas eleições desta terra de Cabral. Para o vírus da intolerância, não há vacina ainda.

*Advogado – [email protected]

(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor da mensagem)

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