Fernando Soares Rodrigues*

*Jornalista especializado em economia e finanças

Endividamento e inflação preocupam

Pioraram um pouco as perspectivas de rentabilidade para os investidores no mercado financeiro nesta virada de setembro para o quarto trimestre. O Banco Central (BC) não procurou atenuar o cenário ao continuar divulgando com realismo índices menos favoráveis. Outros órgãos federais adotaram idêntica postura, apesar de o presidente Bolsonaro e seus assessores mais próximos tentarem divulgar na ONU e internamente um cenário econômico mais favorável.

Ao manter a taxa Selic em 2% ao ano em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC levou em consideração as pressões inflacionárias decorrentes das altas exageradas de alimentos, materiais de construção e outros produtos em agosto/setembro. O juro real (taxa Selic menos inflação projetada para os próximos doze meses) negativo é da ordem de – 0,8% ao ano. E não estimula a atração de aplicações financeiras por parte de estrangeiros.

 Com os juros básicos da economia estáveis e inflação com pressões temporárias, os investidores na renda fixa ficam com rendimentos ainda mais modestos. Não há muito com o que se preocupar, no entanto, já que o boletim Focus do BC do final de setembro manteve a expectativa de inflação para o ano um pouco abaixo de 2%.

Pesquisa Focus

As outras previsões desta pesquisa semanal realizada pelo BC junto às principais instituições do mercado não trazem também maiores preocupações quanto ao cenário do final de 2020.  O dólar comercial tem condições de encerrar o ano em R$ 5,25 e o Produto Interno Bruto (PIB) pode recuar 5%, bem menos do que as previsões de agentes econômicos liberadas no início da pandemia.

As contas externas do País devem fechar o ano menos folgadas, mas com números positivos bem expressivos. O investimento estrangeiro direto é que dá sinais de queda para US$ 50 bilhões, frente aos US$ 55 bilhões previstos no início do ano, mas suficiente para cobrir o déficit nas contas correntes (todo o movimento com o exterior), da ordem de US$ 6,8 bilhões ao final de dezembro. Além disto, o superávit na balança comercial continuará expressivo da ordem de US$ 55 bilhões ao final do ano.

Saída de capitais

Somente no primeiro semestre ocorreu queda de 27% na entrada de investimentos estrangeiros diretos no País. A saída de capital tem sido expressiva também. Até agosto, no acumulado do ano, deixaram o País US$ 15 bilhões em capital externo, maior volume desde 1982, quando a pesquisa começou a ser executada pelo BC.

 Na B3, a bolsa de valores de SP, a situação foi pior. Até o dia 17 de setembro passado, deixaram a B3 cerca de R$ 87 bilhões em investimentos estrangeiros. O Ibovespa voltou a operar abaixo dos 100 mil pontos e a acumular perda de 14% no ano.

Compra de ações

Grande parte dos analistas acreditam que a B3 tem condições de se recuperar até o final do ano e subir pelo menos 10% a partir do patamar de 100 mil pontos. Quase três milhões de investidores apostam na rentabilidade das ações brasileiras. Este número era da ordem de 800 mil há dois anos. A maioria busca rentabilidade maior do que a oferecida pela renda fixa.

 O número de operações de compra e venda no mesmo dia (day trade) vem crescendo. Apesar das incertezas do cenário econômico, muitas ações registram valorização expressiva principalmente no curtíssimo prazo. Exemplo disto foi a alta de 13% da ação da Localiza quando foi anunciada a fusão da locadora de origem mineira com a Unidas.

Continua valendo o velho conselho. Deve-se aplicar em ações somente sobras de recursos que não farão falta no médio prazo. É preciso acompanhar o mercado no dia a dia, e na medida do possível buscar conselho por parte de analistas de confiança. Os fundos de ações são o caminho inicial para os iniciantes neste mercado.

Ouro, o campeão

As razões para a saída do capital estrangeiro do Brasil são bem maiores do que as queimadas na Amazônia destacadas na grande mídia, bem como a saudade do lulo-petismo por parte da mídia e setores que perderam privilégios no governo Bolsonaro.

Gastos em alta

 Os temores do crescimento do déficit público em função dos gastos com a pandemia e a ampliação de programas assistenciais estimulam a saída do capital estrangeiro. Pesa muito igualmente a Selic baixa e a alta de 36,5% do dólar frente ao real no acumulado do ano até agosto.

 Analistas de investimentos e setores tradicionalmente mais conservadores operam com o “risco fiscal” correspondente a uma possível saída do ministro Paulo Guedes, desrespeito ao teto de gastos, atrasos nas privatizações, etc.

O menor nível de investimento estrangeiro dificulta a geração de empregos já que o governo e a poupança nacional não dão conta de suprir a demanda interna de capitais.

A saída dos recursos externos ocorre no momento em que o desemprego no País alcança 13 milhões de pessoas e pode subir mais quando acabarem os pagamentos do auxílio emergencial em dezembro. Muitas pessoas sem qualquer renda serão empurradas para a busca do emprego.

A deterioração do cenário financeiro apresenta sinais. Os bancos pedem mais juros para a compra de títulos públicos de longo prazo, e a instabilidade domina os negócios com título Tesouro IPCA que registrou desvalorização de 9,46% em agosto e -7,50% no acumulado do ano. Alguns fundos DI, os que deveriam acompanhar a rentabilidade dos Certificados de Depósitos Interbancários – CDI’s, oferecem rentabilidade negativa.

Os CDI’s negociados entre bancos subiram 0,16% em agosto e passaram a acumular rentabilidade de 3,88% nos 12 meses anteriores. O investidor que não teve vergonha de continuar nas cadernetas de poupança continuou se habilitando aos 1,4% líquidos ao ano, ou 70% da taxa bruta e cheia dos CDI’s. Os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) emitidos pelos bancos oferecem rentabilidade bruta pouco acima da poupança.  Alguns fundos multimercados conseguiram oferecer rentabilidade melhor no acumulado do ano até agosto.

O campeão em rentabilidade foi o ouro negociado como ativo financeiro na B3. O grama do metal negociado na faixa de R$ 333,00 no dia 23 de setembro acumulou valorização de quase 70% no acumulado do ano até agosto. O ouro tem sua valorização formado pelo dólar e alta da onça-troy (31,1 gramas) na bolsa de commodities em Nova York. Sua valorização reflete insegurança nas aplicações em ativos tradicionais no mercado financeiro internacional.

A maioria das aplicações em ouro no Brasil é feita através de fundos ou através de certificados relativos ao metal custodiado na B3. No valor atual, o metal estimula os garimpos ilegais na Amazônia e a ampliação das extrações por parte dos grandes produtores.

*Jornalista especializado em economia e finanças

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