”O salário médio dos servidores federais é 67% maior do que o praticado no setor privado para as mesmas profissões e responsabilidade”

José Pastore*

Você conhece algum advogado recém-formado que foi contratado no setor privado pelo salário inicial de R$ 27.500? Não conhece? Pois esse é o salário inicial de um juiz de direito no Brasil. É claro que as atribuições de um juiz são muito diferentes das de um advogado de empresa. Mas, mesmo quando se comparam profissões semelhantes, as diferenças são gritantes.
O salário médio dos servidores federais é 67% maior do que o praticado no setor privado para as mesmas profissões e responsabilidade. A média salarial do setor público é de R$ 6.219 mensais, 240% mais alta do que os R$ 2.498 dos empregos formais do setor privado.

Além do salário, os servidores públicos desfrutam de proteções que os empregados do setor privado não têm: adicionais de salário por tempo de serviço (anuênios, quinquênios), licença-prêmio, férias acima de 30 dias (Poder Judiciário), estabilidade e aposentadoria com salário integral ou próximo dele.

A soma de todos os gastos com os servidores ativos e inativos federais, estaduais e municipais gera um dispêndio anual de R$ 320 bilhões para os governos, o que representa 13,5% do PIB. O Brasil está à frente até mesmo de países desenvolvidos, onde os serviços públicos são de alta qualidade como é o caso da Suécia (12,7% do PIB), França (12,1%), Itália (9,5%) e Alemanha (7,5%). A média dos países da OCDE é de 9,9%. Se o Brasil remunerasse os servidores públicos nessa média, haveria uma economia de R$ 287 bilhões em 10 anos.

A proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) ataca vários pontos importantes, mas deixa de lado providências urgentes que terão de ser tratadas ou sabe lá quando ou por projetos de lei. Mais grave: a PEC contempla apenas os novos servidores públicos do Poder Executivo, deixando de lado os servidores atuais e também os integrantes dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Ana Carla Abrão apresenta o exemplo de um auditor fiscal que passou em concurso em 2018 e outro que será contratado em 2022 sob as novas regras. Apesar de desempenharem as mesmas funções, eles terão carreiras, remunerações e benefícios diferentes. É um prato cheio para os magistrados concederem isonomia de salários e benefícios para esses e inúmeros outros casos semelhantes.

Os congressistas precisam estender a PEC 32/2020 para todos os servidores. Políticos normalmente resistem promover reformas de profundidade por temerem prejuízos eleitorais. Esse pressuposto é falso. Vários estudos têm mostrado que os referidos custos são bem menores do que os imaginados (Barbara Nunberg e John Nellis, Civil service reform and the World Bank, Washington: World Bank, 2013). E mais: as reformas mal feitas, essas sim, geram custos políticos, sem nenhum resultado concreto.

Além de um esforço de aproximar a remuneração dos servidores públicos à do setor privado nas profissões em que há correspondência, o Brasil precisa superar o atual sistema de avaliação dos servidores públicos, baseado no parecer de seus superiores que, como regra, atribuem aos seus subordinados, a nota máxima. As modernas ferramentas de avaliação de recursos humanos permitem distinguir o bom do mau desempenho, dedicando a este, programas de treinamento, aconselhamento, redefinição de função e outras providências voltadas para a elevação da produtividade do trabalho. E, no caso de insucesso, a dispensa dos servidores. Em suma, vivas ao governo por ter enviado ao Congresso Nacional a PEC 32/2020. Daqui para frente, há que se lapidar e aperfeiçoar bastante a referida PEC para se chegar a uma verdadeira reforma administrativa.

JOSÉ PASTORE – Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras. É presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
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