Gastão Mattos*

Muito se fala do poder disruptivo das fintechs sobre empresas tradicionais do segmento financeiro. Bancos, adquirentes, bandeiras de aceitação teriam seu papel protagonista ameaçado por novos entrantes que se proliferam neste segmento. Qual seria a razão para este cenário Davi x Golias de nossos tempos?

Um dos motivos para a constante movimentação no mercado de fintechs é o incentivo ao empreendedorismo, além da criação de novos postos de trabalho. Os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que a criação de vagas formais em micro e pequenas empresas em 2019 representou o melhor saldo em 5 anos, com 731 mil vagas, resultado 22% superior a 2018, que foi de 599 mil empregos com carteira assinada. Já as grandes e médias foram o inverso no mesmo período e fecharam 88 mil postos com carteira assinada.

A inclusão de pessoas não bancarizadas à era dos pagamentos digitais também impulsiona o segmento das fintechs, porque cria públicos para toda a cadeia financeira. O estudo “Brasileiro e o Dinheiro”, da MindMiners, indica que, entre 2017 e 2019, o número de brasileiros que utilizaram serviços destas novas empresas subiu de 25% para 55%.

Em relação aos investimentos, os números são promissores. Segundo pesquisa da Finnovating, houve um aumento de 130% no fluxo de injeção de capital em fintechs na América Latina, em 2019, com total de US$ 2,6 bilhões. Deste número, o Brasil mais recebeu aportes (US$ 1,3 bilhão), sendo os maiores recursos de US$ 400 milhões para o Nubank, US$ 341 milhões para o Inter e US$ 231 milhões para o Creditas. 57,1% do dinheiro investido na AL foi direcionado aos neobanks, seguindo pelas fintechs focadas em crédito com 29,68% e 8,68% para a divisão de pagamentos. Como potencial, muitas dessas empresas iniciaram como pequenas startups e tornaram-se unicórnios, concorrendo com as gigantes de mercado.

No entanto, a fragilidade em comum das empresas tradicionais em relação às fintechs é a administração de plataformas tecnológicas. Como há uma necessidade de evoluir e agregar novos serviços em velocidade acelerada, fica difícil alterar sistemas e processos já consolidados, do que criá-los a partir do zero, como é o caso das tradicionais.

Criar uma plataforma de pagamento instantâneo, por exemplo, para startup pode ser menos complexo do que fazer dentro de um ecossistema de TI já existente nas empresas tradicionais. A necessidade de integrar o novo serviço a plataformas em uso ou adaptar interfaces entre outras demandas pode agregar amplitude maior à demanda para uma empresa tradicional.

Outra questão em relação ao legado é a cultura de uma empresa. Qualquer mudança em uma empresa de grande porte é debatida, decidida e implementada com um processo, na grande maioria, burocrático e mais lento para a sua conclusão, diante da gestão de uma startup.

Vale mencionar que a cultura de aprendizado e refinamento para novas decisões não é normalmente percebida em empresas tradicionais, o que faz as decisões serem mais lenta, por causa da busca de segurança do compartilhamento de responsabilidades. Neste tipo de empresa não é difícil observar ciclos para uma decisão não tão complexa, exigindo a participação de dezenas de pessoas, departamentos e formalizações para a definição, como uma simples mudança da cor do site institucional.

Não é por acaso, Jeff Bezos, fundador da Amazon, implementou uma nova cultura de gestão e valorização sobre falhas e experimentação, ainda com desafio para empresas tradicionais. O modelo tornou-se uma referência e inspiração para novar corporações de tecnologia financeira, que não têm receio em experimentar, decidir rápido, assim como errar e persistir em novos caminhos de inovação.

Por outro lado, as corporações tradicionais perpetuam por suas bases sólidas, construídas com muitos anos e que se traduzem em mais confiança para investidores, parceiros e clientes.

No desafio entre “Davi vs. Golias”, guardadas as devidas proporções, tanto fintechs quanto empresas consolidadas possuem o mesmo potencial tecnológico para inovar e fomentar a atuação no mercado. O que vale é entender que a forma com que aplicada as suas virtudes, seja essencial para fazer a diferença.

Se a fintech espelha-se nas grandes corporações para obterem solidez e mais credibilidade, já as empresas tradicionais precisam abrir mão da rigidez de seus processos, para chegarem a um desenvolvimento mais dinâmico e aberto a experiências. O sucesso está alinhado em superar os desafios das infraestruturas organizacionais e flexibilizar a cultura de gestão para dar espaço ao vanguardismo no que se diz respeito em atender à demanda com rapidez e manter a tradição de manter o nome forte, assim como ele foi criado.

*Líder da IDid – plataforma que possibilita compras com “cartão não presente nas modalidades débito e crédito. Possui mais de 25 anos de experiência no setor de e-commerce e em meios de pagamento. Foi CEO da Braspag, diretor da Credicard, vice-presidente de Marketing da Visa e presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara.e-net). Mattos é bacharel em Engenharia e tem pós-graduação em Engenharia de Produção, ambas pela Escola Politécnica da USP.

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