Como a tecnologia pode proteger a sociedade e as próprias empresas

Rafael Ferreira Filippin*

O caso da Cervejaria Backer, fabricante das marcas Belorizontina, Capixaba e outras, merece ser acompanhado atentamente. Segundo as notícias veiculadas na imprensa, foram constatados 21 lotes de cerveja contaminados durante o processo de fabricação com dietilenoglicol, substância que causou severos agravos à saúde e a morte de alguns dos consumidores por síndrome nefroneural.

Em resposta a essa trágica situação, o Ministério da Agricultura interditou as atividades da Cervejaria Backer, bem como determinou o recolhimento dos lotes de produtos preventivamente. As consequências jurídicas do episódio podem abranger ainda outras sanções administrativas, tais como multas e cassações de registros, além da persecução criminal dos gestores e o pagamento de indenização às vítimas. Do ponto de vista estritamente empresarial, além dos prejuízos financeiros, o dano à imagem e às marcas foi imenso.

De fato, este é sem dúvida um episódio muito lamentável. Contudo, ele traz lições importantes para o setor industrial brasileiro e, em especial, chama a atenção para o uso da tecnologia na comprovação documental do respeito às boas práticas de fabricação e às normas ambientais e regulatórias. Isso porque, no momento em que a Cervejaria Backer levou o seu caso à Justiça Federal, apresentou um vídeo no qual afirma haver a comprovação de que houve uma fraude nos tambores de produtos químicos utilizados no processo de fabricação, e que essa seria a verdadeira causa de todo o problema.

Entretanto, e independentemente dos desdobramentos jurídicos deste caso específico, a apresentação do vídeo pela empresa em sua defesa evidencia a utilidade da tecnologia para a demonstração de uma possível causa excludente de responsabilidade da Cervejaria Backer no episódio. Ou seja, a adoção de ferramentas tecnológicas pode nitidamente auxiliar não só na prevenção de riscos, como também na mitigação dos efeitos negativos em casos semelhantes.

A transformação que vários setores da economia estão experimentando com o uso da tecnologia é evidente e a indústria não é exceção. A chamada “indústria 4.0” já é uma realidade e sinaliza aos que ainda relutam em adotar soluções digitais e conectadas que chegou a hora de avançar nesse sentido. Isso é ainda mais nítido quando se observa a proliferação de startups, denominadas “regtechs” (ou “regulatory techs”), dedicadas a criar soluções tecnológicas para os mais variados desafios, entre eles o compliance ambiental e regulatório.

Afinal, as ferramentas tecnológicas disponíveis podem não só auxiliar a prevenir episódios lamentáveis como este, como também podem comprovar, por meio de várias informações organizadas em blockchain, a adoção pelas empresas das medidas adequadas para evitar tragédias. E, mesmo que ocorram problemas, a comprovação de boas práticas que a tecnologia proporciona tem reflexos diretos na responsabilidade das empresas, assim como na dos seus gestores e controladores.

Com efeito, os gestores, os controladores, os advogados e os profissionais das mais variadas especialidades técnicas veem-se, com frequência, diante de sérias dificuldades quando não conseguem comprovar a sua regularidade perante as agências governamentais. Aliás, não são poucos os casos, como o da Cervejaria Backer, de empresas que são autuadas e interditadas pelas agências de fiscalização em razão do descumprimento de normas, de procedimentos ou de padrões previstos em regulamentos técnicos, mas que conseguem comprovar documentalmente o compliance ambiental e regulatório, mesmo que tenham adotado boas práticas.

Alguns fatores explicam essa dificuldade: cadeias logísticas complexas e capilarizadas de matérias-primas, produtos e resíduos, que são especialmente difíceis de monitorar no detalhe, sem a tecnologia apropriada. E isso leva à falta de informação e à consequente falta de documentação comprobatória. Mas essa circunstância da falta de informação e documentos é especialmente problemática porque as imputações feitas pela agência fiscalizadora, por sua vez, são dotadas de presunção de veracidade e legalidade. Ou seja, se a empresa não tem condições de comprovar documentalmente, e de forma confiável, que adotou as boas práticas e atendeu os padrões ambientais e regulatórios, não conseguirá se desincumbir do ônus de desconstituir a presunção de veracidade das imputações e será, por isso, responsabilizada.

Por outro lado, essas imputações geralmente levam à imposição de sanções cujas consequências econômicas negativas podem alcançar valores muito expressivos e realmente ameaçar a saúde financeira das empresas autuadas, bem como podem ser usadas como provas em acusações criminais contra os gestores e os controladores dos empreendimentos.

Mas a tecnologia proporciona uma alternativa, não só para prevenir episódios lamentáveis como este que ocorreu em Minas Gerais, como também para permitir às empresas demonstrarem o seu compliance das boas práticas e das normas ambientais e regulatórias pertinentes, por meio da apresentação de provas de que foram adotadas as medidas técnicas apropriadas para evitar o problema constatado.

São inúmeros os casos em que a tecnologia existente pode ser embarcada em meios de transporte, em embalagens ou nos próprios produtos e resíduos (afinal, a “internet das coisas” é uma realidade). E as informações coletadas podem todas ser registradas em blockchain, por exemplo: imagens (fotos e vídeos) com georreferenciamento, notas fiscais, conhecimentos de transporte, certificados de destinação final, anotações de responsabilidade técnica etc.

Resta saber se o custo da adoção dessas ferramentas é proibitivo quando comparado ao custo de se pagar multas, de se ter a operação suspensa e de se defender em longos processos administrativos e judiciais, inclusive criminais, além do custo do dano à imagem da empresa perante seus stakeholders (colaboradores, investidores, vizinhos etc.).

*Rafael Ferreira Filippin é sócio-coordenador do Departamento de Direito Público da Andersen Ballão Advocacia, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR.

Sobre a Andersen Ballão Advocacia – Fundado em 1979, o escritório atua na prestação de serviços jurídicos nas áreas do Direito Empresarial e Comercial Internacional. Também possui sólida experiência em outros segmentos incluindo o Direito Tributário, Trabalhista, Societário, Aduaneiro, Ambiental, Arbitragem, Contencioso, Marítimo e Portuário.  Atende empresas brasileiras e estrangeiras dos setores Agronegócios, Automotivo, Comércio Exterior, Energias, Florestal, Óleo e Gás, TI, e Terceiro Setor, dentre outros. Com a maioria dos especialistas jurídicos fluente nos idiomas alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, o escritório se destaca por uma orientação completa voltada para a ampla proteção dos interesses jurídicos de seus clientes.

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