O senador Carlos Viana é meu primo, nossos avôs eram irmãos. Por causa do pai deles se chamar   Nemésio, eram conhecidos como Zé Nemésio e Sebastião Nemésio. Meu avô  morava  na Serra, meia légua de Morro do Ferro.Tio Sebastião, nos Morais, município de Bonsucesso. Andejo, cheio de papeata e bizarria, zanzava a cavalo  pela Carapuça, Romeiros, Chapada, Jacaré, Ponte de Pedra, aquele mundo antigo sem estrada de automóvel.  Contando casos, inventando potoca,  divertia as pessoas, fazia  o povo rir. Dispensado do  serviço militar por morar na roça, nem continência sabia  fazer. Mas era conhecido por Majó. 

Seu filho Juca veio parar em Belo Horizonte, onde se casou com Noeme. Seus filhos se orgulharam do pai, motorista da Cemig. Pequenos, espantavam-se com as imensas carretas  transportando enormes transformadores estrada afora. Já mais crescidos, admiravam no pai a   afetividade, retidão, o coração bondoso  e o  amor pelo trabalho. Noeme cuidava das crianças, reforçava o orçamento familiar na Feira Hippie da Praça da Liberdade e, mesmo com o marido sempre  na estrada, quatro filhos pra criar,  concluiu o curso normal. 
 
Como todos nós que viemos de famílias simples do interior, Carlos madrugou na lida. Engraxando sapatos ganhou os primeiros trocados. Mas buscou no estudo  o finca-pé para caminhar na vida. Curso primário em escola estadual, ginásio no Sesi de Contagem, tentou vaga no Colégio Ordem e Progresso, agarrado no BDMG, onde era office boy. 

Com todas as salas lotadas, a secretária prometeu ajudá-lo no ano seguinte. Sem tempo a perder, me pediu uma palavra ao diretor da escola. Quando foi entregar meu  cartão, assustou-se ao encontrar um senhor atarracado, gentil, com um baita 38 no coldre, que mandou colocar mais uma carteira na sala lotada para o jovem promissor. 
Carlos foi  vendedor, trabalhou na  Lufthansa,  teve negócios próprios no comércio, estudou inglês e alemão, ampliou horizontes  e iniciou a carreira como repórter no final dos anos 90. Formado em comunicação, pós-graduado em gestão estratégica de marketing, professor universitário, passou a comandar programa de grande audiência na Itatiaia e tornou-se apresentador na TV Record Minas. 
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Porta voz dos clamores populares, insatisfeito com o descalabro dos costumes políticos, lançou-se candidato a senador. Sem recursos financeiros nem estrutura partidária, surpreendeu com sua vitória. 
Nossa prima Vivina rememora uma cena de janeiro de 85, quando estava voltando para São Paulo depois de  dois anos em BH, gorado o projeto de um jornal possivelmente apoiado por Tancredo Neves, em que Gilberto Mansur, meu irmão Demóstenes e vários outros  jornalistas  se engajariam. “O projeto não foi pra frente, o Tancredo resolveu ir pra Brasília, batemos em retirada”, lembra ela.

E continua: 
“Contratada a empresa de mudanças, apareceu lá em casa, no bairro Santa Lúcia, um rapaz tão bonito quanto simpático, que se pôs a anotar tudo o que deixaria BH após dois anos.
Ele se surpreendeu com a quantidade de livros, conversamos sobre um ou outro, pena não me lembrar quais.
Devemos ter tomado café, será?
No final,  dei meu nome, e ele se surpreendeu quando eu disse, em tom casual: 
– Também sou Viana…De Oliveira, minha mãe é daquela região.
– Meu pai também, ele nasceu lá pertinho, num lugar chamado Morais…
– Seu pai nasceu nos Morais???
– Nasceu.

Nesse momento, eu deveria ter feito a pergunta clássica – você é filho de qualé? -, mas me contive.
– Como é o nome de seu pai?
– Juca Viana.
– Meu primo primeiro.
– Como?
– Minha mãe é irmã da mãe dele, acredita? Minha tia Maria é sua avó, seu tio Jairo, irmão gêmeo de seu pai, é companheiro de minha irmã…
– A Delza é sua irmã???”
 
Anos mais tarde, com as andanças de Carlos pela região, começaram a desenterrar  os casos, as passagens  engraçadas, histórias que tio Sebastião enfeitava com boas doses de fantasia. Como a da Princesa, égua de estimação, pela qual ele jurou ter rejeitado seis contos de réis. Leréia pura, só pra engambelar Tia Maria, decepcionada com a falta de novidade depois de uma viagem de oito léguas ida e volta, fora o pouso e o serão  na Serra. 
E tinha o cachorro que o vizinho, depois de matar com um tiro na cabeça, chutou dizendo: “Viu, desgraçado! Cê tá bessorvido…”. 

Falando em tiro, teve  a encrenca com a polícia na venda da Figueira.  Depois de muita conversa e bebedeira, no meio de uma discussão feia,   um sujeito matou outro a facada. Veio a polícia, interrogou todo mundo, pediram o depoimento do tio Sebastião. 
– Prefiro ficar quieto no meu canto, não gosto de confusão. 
– Mas a confusão já está feita, e o senhor é testemunha. Tem de depor. 
Ameaçado de ser conduzido a Bonsucesso, aumentando a enrascada, aceitou depor. 

Quando o delegado leu a papelada, perguntou quem tinha dado o tal depoimento. O soldado informou: 
–  Foi o Seu Sebastião Viana, testemunha ocular, residente nos Morais. 
O delegado bateu o dedo na assinatura e perguntou: 
– E como é que vocês explicam isso aqui. Viu como ele assinou: “Joaquim José da Silva Xavier”??!!
Durante a campanha, numa reunião com seus conterrâneos, nosso futuro senador viu um menino apontar para ele e perguntar ao pai, num cochicho: “Esse aí é que é o neto do Tiradentes?” 


* Por Olavo Romano 

 

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