Mozart Foschete
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Mercado Comum Publicação Nacional de Economia, Finanças e Negócios
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Meus caros, raros e fieis leitores,

            Vocês sabem quais são os homens mais poderosos do Brasil? A gente imaginaria que fosse alguma família bilionária de banqueiros ou de industriais ou do agronegócio, não é? Ou alguns responderiam que era o Presidente da República, ou até o Presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado. Mas, não é nenhum desses. Os homens mais poderosos do Brasil são os nossos digníssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal – o hoje tão badalado (negativamente) STF. E são poderosos seja agindo individualmente (ou monocraticamente, como se diz), seja agindo coletivamente. Coletivamente é pior ainda porque não há quem possa lhes questionar suas decisões, muitas claramente corporativistas. E olhe que são poderosos não por herança, porque o STF não é uma capitania hereditária, daquelas que Portugal criou no Brasil colônia. E nem foram alçados a esse posto pelo voto popular, como ocorre com os nossos políticos. Também não galgaram aquele posto lá no Olimpo por mérito pessoal. Nenhum deles. Galgaram o posto por serem amigos do Príncipe de plantão – quer dizer, do Presidente da República – que, num gesto de generosidade ou de gratidão ou esperando uma gratidão no futuro, ou até mesmo por pressão de lobistas, deu-lhes o cargo no qual ficarão pelo resto de seus dias. É bem verdade que, com a chegada da idade avançada, terão de se aposentar (renunciar nunca!), mas continuarão com os mesmos privilégios, exceto os de decidir o destino da nação. Existe, é verdade, uma possibilidade totalmente irreal, mas existe, de serem impinchados mas, neste caso, serão aposentados com todos os rendimentos da ativa. Isso, sim, é ser amigo do Rei. O mais é conversa de botequim.

            E a partir do momento em que são ungidos pelo Príncipe, tornam-se intocáveis, absolutistas e infalíveis. Decidam o que decidirem, mesmo ao arrepio da lei – o que é muito comum – e sua decisão é mandatória, de cumprimento obrigatório e instantâneo. E ai de algum cidadão que ouse criticá-los. Se o fizer, será acusado de lesa-pátria e de atentado perigoso às instituições democráticas. Ele pode ser processado e preso, tal como na época da Inquisição Espanhola, sem direito a defesa. Eles são os ministros-vítimas, os investigadores e os juízes da ação contra o cidadão que ousou manifestar sua decepção com a forma como decidem as coisas. Isso faz até lembrar os Aiatolás do Iran.

            Suspeição é uma palavra que não existe no vocabulário deles. Se há um processo em curso e onde atue um parente próximos de um deles – a esposa, por exemplo – seria de se esperar que o Ministro se desse por suspeito para participar do julgamento, mas isso nunca acontece. Brizola dizia que cunhado não é parente. O STF entende que esposa também não. E quando é o próprio Ministro do STF que é o acusado, como aconteceu recentemente em que numa delação premiada junto à Polícia Federal um de seus membros foi o principal acusado de vender sentenças judiciais? Pois não é que o STF derrubou a delação, inclusive com o voto do réu em favor, claro, dessa derrubada!

            Seus poderes são ilimitados. Outro dia um deles deu um habeas corpus para o bandido-narcotraficante mais perigoso do País e um dos chefões do PCC, determinando que o mesmo ficasse em prisão domiciliar. Para “surpresa” do Ministro, o bandido não foi pra casa. Preferiu desaparecer e desaparecido está até hoje. O Ministro, claro, lavou as mãos e nem tomou conhecimento das críticas. Disse que agiu de acordo com a lei. Considerações de alta periculosidade para a sociedade e práticas de crimes hediondos continuadas nem são levantadas. Bandido bom é bandido solto. E quanto mais bandido, melhor solto, coitado!

            Um outro Ministro – que está sempre em evidência por ser conhecido como libertador-mor do País – concede habeas corpus a todos investigados por corrupção que lhe caem nas mãos. Há pouco tempo, concedeu um habeas corpus ao presidente das empresas de transporte do Rio de Janeiro – mais conhecido como “rei dos ônibus do RJ” ou “o magnata dos transportes”. O Ministro ficou particularmente irritado porque o juiz de 1ª. Instância mandou prender novamente aquele suposto bandidinho por outros crimes. Teimoso esse juizinho, hein? Sua decisão obrigou o Ministro a mandar soltar o pobre do “perseguido” bandido outra vez. Ora, onde já se viu um magistradozinho de mierda querer desafiar um aiatolá da Justiça brasileira? Será que esse magistradozinho não sabia que, coincidentemente, poucos dias antes, o Ministro tinha sido padrinho de casamento da filha do tal bandidinho? Criticado, o Ministro “bonzinho” alegou que mal conhecia, mesmo assim de ouvir falar, o réu pai da noiva. Ademais, padrinho de casamento também não é parente, não é mesmo? E se fosse parente, que diferença faria? Não cabe aqui mencionar os inúmeros figurões e milionários que o Ministro já soltou nos últimos anos. A lista é quase infindável, a começar por aquele médico que cometeu crimes sexuais contra mais de 50 pacientes e que foi condenado a mais de 150 anos de prisão, lembram-se dele?

            A bem da verdade, soltar presos corruptos importantes tem sido o evento mais comum do dia a dia dos Ministros do STF. Arquivar processos de corrupção inocentando políticos corruptos tem sido coisa corriqueira. Até parece que suas excelências acham que cadeia não foi feita pra gente rica e importante. Existem mais de 100 processos por corrupção em andamento (“em andamento” é força de expressão) na nossa Suprema Corte contra deputados, senadores, governadores. Só um senador que está em muita evidência na CPI da Covid-19 tem mais de 10 processos parados por lá. Mas, quem olha para esses figurões percebe que eles não estão minimamente preocupados com isso. Eles têm certeza, plena convicção, de que seus processos jamais entrarão na pauta para julgamento. Todos cairão em prescrição.  Não é à toa que se diz por aí que o STF se constitui hoje no principal protetor do crime no Brasil. E não faz nada para disfarçar isso.

            Um outro Ministro, pouco tempo depois de assumir seu lugar no Olimpo, decretou que o Presidente não podia nomear um certo delegado como Diretor da Polícia Federal porque, segundo se comentava, os dois eram muito amigos. O Ministro alegou que tal nomeação feria o princípio constitucional da “impessoalidade” – um conceito tão difuso que poderia ser aplicado a qualquer nomeação para qualquer cargo ou função de confiança na administração pública. A ser verdade o argumento do Ministro, o Presidente da República só pode nomear Ministros ou diretores de estatais se não forem dele conhecidos. A propósito, cabe a pergunta: a escolha – melhor diria, a designação – deste próprio Ministro para o STF foi por pura e exclusiva competência? É bom lembrar que, coincidentemente, ele era o Ministro da Justiça do Presidente que o escolheu. Tudo impessoal, claro. Você é que não quer entender.

            A gente sempre ouve falar que o papel fundamental do STF é o de ser o guardião da Constituição Federal, analisando e julgando casos de lesão ou ameaça à nossa Carta Magna. Suas decisões são finalistas, não cabendo recurso a outro tribunal. Mas, o que se tem visto ultimamente passa ao largo disso. O STF determina o que e como o Poder Executivo deve fazer no combate à pandemia da Covid-19, questiona sua alocação de recursos, se aplicou ou não e por que não recursos na terra dos índios, por que recomendou esse ou aquele remédio contra a Covid-19, se um governador pode ou não comparecer a uma audiência da CPI mesmo como testemunha ou convidado  e coisas do gênero. Mas isso, claro, só tem acontecido porque o atual Presidente da República, com toda a sua aparente pose autoritária, é politicamente muito fraco.

            Agora mesmo o STF decidiu colegiadamente se a Copa América podia ou não ser realizada aqui no Brasil. Pior ainda, há três anos atrás, decidiu, também colegiadamente, quem deveria ser considerado o campeão de futebol do Brasil em 1987, se o Flamengo ou Sport Recife. Seria isso matéria constitucional? E haja horas de trabalho dos assessores jurídicos e das secretárias para elaborarem o parecer e o voto de cada Ministro. Mas valeu a pena: o assunto era de alta relevância e de grande interesse de todos nós, brasileiros. NA noite dessa decisão, os brasileiros foram dormir mais tranquilos. Um grande problema nacional tinha sido resolvido por suas excelências.

            E como são capacitados e competentes para influenciar órgãos governamentais, especialmente os da própria Justiça. Haja vista que duas filhas de dois Ministros foram recentemente empossadas como Desembargadoras no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Além de relativamente jovens, nenhuma das duas tinha sequer pós-graduação em Direito e pouca ou quase nenhuma experiência advocatícia. Também nunca foram reconhecidas como brilhantes nos estudos. Nunca sequer prestaram concursos públicos para promotor ou juiz. Preparar-se para fazer concurso pra que? Com pais poderosos, isso se torna desnecessário. E quando foi criticado por tentar influenciar os Desembargadores cariocas para escolherem sua filha, o Ministro pai de uma das moças-desembargadoras disse: “-Por acaso é pecado fazer essa indicação? É justo que nossos filhos tenham de optar por uma vida de monge?” Claro que não é justo, Ministro. Levar vida de monge é coisa pra nós, plebeus ignaros e comuns mortais.

            A ex-mulher de um outro Ministro foi nomeada há três anos pelo então Presidente da República para o Conselho de Administração da estatal Itaipu. O salário – ou jeton – era, na época, 27 mil reais e o Conselho se reunia a cada dois meses. A especialização e o conhecimento de energia elétrica da nomeada não passavam muito de ligar ou desligar o interruptor de luz de sua casa. 

            E o que dizer do ativismo político dos nossos Ministros da Suprema Corte? Todos, uns mais outros menos, adoram os holofotes e não perdem a oportunidade de palpitarem sobre temas relevantes da política nacional, mesmo quando se trata de temas que, eles sabem, amanhã ou depois, vão ser objeto de apreciação pela Alta Corte. Exemplo típico é a questão do voto impresso em que um Ministro, hoje ligado ao processo eleitoral, tem insistido em mostrar sua posição contrária ao mesmo e em defender publica e veementemente o voto eletrônico. Em princípio se imaginaria que ao STF caberia simplesmente cumprir e fazer cumprir o que diz a legislação aprovada pelo Congresso Nacional. No entanto, passa longe de seus membros a máxima de que “juiz só deve se pronunciar nos autos!”.

            Um capítulo à parte quando se fala da nossa Suprema Corte são as regalias mordômicas que lhe são peculiares. É ponto pacífico que o custo de manutenção de nosso judiciário é, de longe, o mais elevado do mundo. E, também, o mais lento em suas decisões. O exemplo começa do STF. Estatísticas divulgadas recentemente mostraram que pra cada Ministro há mais de duzentos servidores à sua disposição. No quadro de funcionários daquela Corte constam pedreiros, pintores, eletricistas, motoristas de automóveis, de caminhões e de tratores, marceneiros, carpinteiros, professoras de creche, jardineiros, copeiros, cozinheiros, seguranças – uma listagem de profissões que não tem fim. Cada Ministro tem em seu gabinete um mínimo de 30 funcionários, entre assessores jurídicos, secretárias e auxiliares de serviços gerais. Além desses, há um funcionário para cada um dos Ministros unicamente para ajudá-los a colocar e retirar a toga, além de puxar a cadeira para eles se sentarem nas sessões para evitar que um deles venha a sofrer eventualmente uma distensão muscular. Não se sabe se este funcionário faz a mesma coisa no gabinete do Ministro.  Mais ou menos o que acontecia em Versailles, no reinado de Luiz XV.

            Os gastos com a alimentação dos Ministros cheiram ao absurdo. Ficou famosa uma licitação recente daquele tribunal para fornecimento de refeições para suas excelências onde constavam medalhões de lagosta, camarões variados e vinhos importados e que tenham sido contemplados com um mínimo de quatro prêmios internacionais de reconhecimento de sua qualidade. Tudo isso para atender à altura o bom gosto e o paladar afiadíssimo de suas magnificências.

            Um outro aspecto que também chama a atenção são os votos longos emitidos e lidos pelos ilustres e doutos juízes de nossa mais alta Corte quando do julgamento de uma questão mais ou menos de repercussão nacional. Um fenômeno que se acentuou bastante depois da criação da TV Justiça. Além de exageradamente prolixos, os Ministros usam um palavreado floreado com vocábulos nada conhecidos dos comuns mortais, citam impunemente e descompromissadamente autores que não têm nada a ver com a causa em julgamento, indo desde Robespierre, passando por Cícero, Homero, Troudeau, Montesquieu, Dante Alighieri, Proust, Tchaikovsky, Rommell, Ulisses de Aguiar, Bertrand Russel, Josef Strauss, Fernando Pessoa, Pixinguinha, Caveirinha e Cabrobó, Macaco Simão e por aí afora, cada qual querendo, ao que parece, mostrar-se mais culto e mais juridicamente erudito. Em alguns ouvintes dá sono, em outros nojo.

            Já concluindo, nunca é demais lembrar que não existe para um Ministro do STF o crime de responsabilidade e improbidade administrativa. A título de exemplo, a despeito de dispositivos regimentais que regulam o prazo de “pedido de vista” de um processo por um Ministro, durante uma sessão, este prazo não é absolutamente cumprido na maioria dos casos. Muitos seguram o processo em sua gaveta, sem devolvê-lo até sua prescrição. E nada acontece: não há uma punição nem sequer uma advertência ao responsável. O regimento interno do STF não passa de uma letra de samba para seus Ministros.

            Esse é, em resumo, um retrato um tanto caricato, é verdade, mas nem por isso menos verdadeiro, de nossa mais alta Corte de Justiça. Uma Corte cujos membros, ao contrário da maioria dos outros países, são por demais conhecidos de quase toda a população graças às suas decisões cotidianamente polêmicas, ao seu ativismo político e às suas interferências muitas vezes indevidas nos outros dois Poderes da República, particularmente na Presidência.

            São 11 homens excepcionalmente poderosos, quer atuando coletivamente, quer atuando monocraticamente. E frise-se: nunca receberam um voto ou uma delegação da população para defendê-la, mas atuam sem nenhum limite, como se infalíveis fossem. Estão acima do bem e do mal. Nenhum deles galgou esse posto por sua exclusiva competência e reconhecido e notório saber jurídico. Todos ali estão porque foram ali colocados pelo “príncipe” de plantão que, ocasionalmente, era seu amigo.

            Coisas que, como jabuticabas, só acontecem no Brasil – o Brasil das capitanias hereditárias.

            E assim la nave va!

*Mestre em Economia

(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor da mensagem).

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