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No princípio, aquele queimor na boca do estômago, pensou em azia. Lembrou também do pastel, lá na cidade, na véspera. Ou, quem sabe, a cerveja? Depois foi apertando, parecia cólica. Tomara que não fosse a malvada da úlcera ameaçando abrir de novo.

A coisa ia e vinha, ele da sala pra cozinha. Danou a beber café e pitar, a mulher resmungando:
“Esse maldito cigarro ainda acaba com ‘cê’, velho teimoso. Põe sentido no que eu tô falando!” Ele vivia falando em parar. Mas, numa hora daquela, mesmo todo mundo buzinando no ouvido, uma tragadinha tinha lá sua valia: disfarçava a preocupação, ajudava a empurrar o tempo.

Para distrair, resolveu ir ao barracão, ver o umbigo do bezerro da Dinamarca.
Com uma dor forte no braço esquerdo, o velho Simeão fez uma careta feia. Depois daquela fisgada, veio um frio na barriga. “Deus ajude que não seja coisa pior”, pensou, assustado.

Que a pressão andava alterada, ele já sabia. Até vinha evitando tempero, comia praticamente sem sal. A pinguinha na hora da comida, nem pensar. O doutor tinha também proibido gordura, torresmo, perigo de engrossar muito o
sangue. Da morte, dizia não ter medo. O pavor era ficar derramado, fazendo tudo por mão dos outros.

Mas, aí, olha de novo a fisgada no peito, respondendo no braço. Simeão se contorceu, encolhido. Agora já era uma garra, apertando, não havia meio de soltar. Quando parecia não ter mais onde doer, veio o pior: um solavanco
por dentro, um tranco forte, aquela pancada que nem coice de mula.

Embocado, sentou-se na pedra grande, bem na entrada da casinha de creme. Baixou a cabeça, retorcendo de dor. Então, danou a suadeira, escorria em bicas. O povo parou a tiração de leite e deu com o velho
completamente demudado de cara e cor. Todo o movimento agora era ali, na porta da casinha de creme, em volta de Simeão Lacerda.

Pegaram o patrão, carregaram pra dentro, esticaram no catre. Tiraram as botinas, folgaram a roupa, cada hora um abanava o ar perto do nariz dele. Daí a pouco apareceram com chá, não sei se de losna ou camomila, alguém lembrava da conversa sobre azia. Custou a beber, não parou nem cinco minutos no estômago. Começaram uma
reza, ela abanou a mão, cismado com mau agouro. Havia de viver muito ainda, iam ver.

Simeãozinho, vendo a coisa feia, telefonou pra cidade atrás de recurso. Até a chegada do doutor Sebastião foi o maior sufoco. Só pela informação, ele garantiu: era enfarte, não tinha a menor dúvida. Até os remédios, para acudir na crise, ele tinha trazido, por seguro. Mesmo assim, olhou o pulso, mediu a pressão, escutou as batidas do bronze, todo mundo em roda, esperando uma palavra, querendo ler o pensamento do médico.

Terminado a consulta, deu um tapinha no ombro do cliente e perguntou:
– Então, quer dizer que o trem andou feio?
– Demais… – respondeu Simeão, com voz fraca.
– É, mas o pior já passou. Agora, no hospital, a gente olha melhor, faz um eletro…
– O Doutor que sabe.
Quando a ambulância chegou, levantando poeira, o doente embarcou, acompanhado do filho caçula.
Na hora da despedida, foi aquela choradeira, os de casa rezando, fazendo promessa. Internado imediatamente, colheram material para exame, marcaram a operação para o outro dia.
– Safena? – perguntou, meio pedante, Simeãozinho.
– Vamos ver – respondeu o médico com má vontade, sem querer dar corda pro rapaz.   Depois da cirurgia, os comentários ferviam, todo mundo morrendo de pena de Simeão.
– Abriram o coitado que nem um porco, coitado, nessa idade…
– dizia um.
– A gente não fazia dele agüentar – emendava outro.
– A valência é que ele é forte feito um touro – completava um terceiro.
Antes da alta, o médico foi vê-lo. Todo airoso, Simeão ficou ainda mais animado com a boa notícia que o doutor lhe deu:
– Seu coração, agora, está novinho em folha.
– Tem perigo de derramar não? Essa é a minha maior cisma.
– Tem não. O senhor vai continuar com os remédios, segue a dieta que vou passar, evita contrariedade e exagero. Fazendo isto, o senhor vai muito longe…
– Tomara, Doutor.
Depois de breve pausa, o médico completou:
– Tem uma novidade que eu não contei: um aparelhinho aí dentro, para o caso do coração ficar preguiçoso.
– O tal marca-passo?
– É.
– Uai, precisou?
– Achamos melhor. Mas pode ficar sossegado, está tudo bem.
– Deus lhe pague. – disse Simeão, emocionado.
O médico, satisfeito com a recuperação do velho, bateu-lhe no ombro:
– Mais tranqüilo agora, não é, seu Simeão?
– Graças a Deus, Doutor. E esse tal de marca-passo, é garantido mesmo?
– Garantidíssimo! De toda confiança.
– Tem perigo de zangar não?
– De jeito nenhum!
Simeão sorri, acompanhado pelo médico.
De repente, uma ruga, forte, na testa, chama atenção.
– Algum problema? – pergunta doutor Sebastião.
– Uma duvidazinha.
Faz uma pausa, um longo silêncio. Animado pelo olhar do médico, Simeão indaga:
– E quando eu quiser morrer, Doutor, como é que vai ser?

Aproveitando a viagem e o tema, um casinho curto:
Querido amigo meu, bastante idoso e já meio distraído, começou a sentir falta de ar. O cardiologista, que o atendeu com a gentileza de sempre, ligou um aparelho e, na mesma hora, regulou o marca-passo. O velho paciente, impressionado com o desenvolvimento da tecnologia, disse a uma amiga da família que foi visitá-lo, dias depois: “Nem precisa mais procurar o médico: regula pela internet mesmo!”.

Olavo Romano

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