Mauro Werkema*

Em 2020 Minas Gerais completa 300 anos da criação da Capitania de Minas do Ouro, com autonomia administrativa, separada da Capitania de São Paulo, que integrava desde 1709. A criação da Capitania ocorre em meio a acontecimentos históricos que marcam os primórdios de Minas Gerais e que devem ser lembrados.  Em 1717, o rei de Portugal, dom João V, nomeou Dom Pedro de Almeida Portugal e Vasconcelos, Conde Assumar, governador geral da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Assumar instala-se em Mariana, então Vila de Ribeirão do Carmo, e ocupa o casarão anexo à Igreja de São Francisco, conhecido como Palácio de Assumar, que começa a ser restaurado após anos de abandono. Assumar trazia como principal missão organizar e disciplinar a cobrança do quinto do ouro, o imposto que Portugal cobrava da Colônia e que teria que ser pago por todos os mineradores que realizavam a extração do ouro.

A data enseja reflexão sobre os três séculos da História de Minas, desde a ocupação pioneira dos territórios interiores do Brasil-Colônia, os conflitos políticos e rebeldia dos mineiros, a evolução econômica, social e cultural, as dificuldades ao pleno desenvolvimento até os nossos dias, a contribuição de Minas à nação brasileira. Como também seria importante para estudo sobre as dificuldades por que passa o Estado, embora com rica história e um cobiçado subsolo mineral que gerou a ocupação do seu território e lhe deu o nome. Minas originou-se da mineração e até hoje debate a presença desta atividade no Estado e seus aspectos econômicos, sociais e ambientais.  Do Ciclo do Ouro, que se inicia nos anos finais do Século XVII, ao Ciclo do Minério de Ferro, hoje bastante discutível, Minas Gerais tem uma longa trajetória que merece estudo e reflexão.  Importante ainda é discutir o futuro desejável e as grandes dificuldades por que passa no momento.

O Conde de Assumar encontrou forte resistência dos habitantes quanto à cobrança do imposto. Em 1720, rebelam os moradores de Ribeirão do Carmo (Mariana) e Vila Rica (Ouro Preto), que chegaram a ameaçar Assumar. Refugiado em Vila Rica, o governador armou sua reação, enfrentando conflitos diversos. O principal deles vitimou Felipe dos Santos, português, mas habitante de Minas, minerador e comerciante, que liderou levante. Preso em Cachoeira do Campo, foi executado com ordem de Assumar, transformando-se no primeiro mártir mineiro, morto em meio a luta por autonomia. As condições do assassinato de Felipe dos Santos, se em Cachoeira ou Vila Rica, ainda geram controvérsias. Assumar teria também incendiado as encostas da Serra de Ouro Preto, onde trabalhavam e residiam centenas de mineradores, e que passou à história como “Morro da Queimada”.

Os acontecimentos de 1720 levaram o rei de Portugal, dom João V, por solicitação e indicação do conde de Assumar, a criar a Capitania de Minas Gerais, separando-a de São Paulo. Por esta época a Capitania já tinha numerosa população e vários núcleos urbanos, quase todos com ocorrências de rebeliões e conflitos, dos quais o mais famoso, e mais aguerrido, com muitas mortes e combates, foi a Guerra dos Emboabas, entre 1708 e 1709, entre paulistas, pioneiros na ocupação do território das minas, e portugueses e outros emigrantes que acorreram à região em busca do ouro.

Assumar mudou-se para Vila Rica onde instalou-se no Palácio Velho, de que hoje só restam alguns paredões em ruínas, em região que tem esse nome, próximo ao Bairro de Antônio Dias. O Palácio dos Governadores, hoje pertencente à Escola de Minas da UFOP, só foi construído a partir de 1747. Vila Rica tornou-se então a capital da Capitania e o Palácio da Praça Tiradentes sediou os governos mineiros, no regime colonial, até a Independência de 1822, no período imperial até a República proclamada em 1889, e até 1897, quando a capital mudou para Belo Horizonte. Atribui-se ao Conde de Assumar, que permaneceu em Vila Rica por apenas mais um ano, a publicação de um depoimento dominado “Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720”.

Assumar procura explicar sua conduta, considerada excessiva, dizendo que se viu obrigado a “proceder sumariamente ao castigo”, como a execução de Felipe dos Santos e a prisão de outros sediosos, alguns ricos mineradores e proprietários na região. É documento de elevado valor histórico para a compreensão dos primórdios de Minas Gerais e a gestão colonial portuguesa nos seus primeiros anos, o esforço para estabelecer a administração colonial. E a constante rebeldia mineira, que ocorrerá por todo o Seculo XVIII, culminando com a Inconfidência Mineira, de 1789, que levou ao enforcamento de Tiradentes, em 1792, no Rio, e o degredo para a África dos inconfidentes.

Em Alvará de 2 de dezembro de 1720, determinado por Dom João V, foi criada a Capitania de Minas Gerais, separada de São Paulo, com governo próprio e autonomia administrativa. A data está confirmada por pesquisa histórica e requer vários programas comemorativos. E é também particularmente importante para Ouro Preto e demais cidades históricas que também sediaram vários acontecimentos relativos à criação da Capitania e a gestão colonial portuguesa. E deve ser comemorada não só pelo Governo do Estado mas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, prefeituras, instituições históricas e entidades da sociedade civil.

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*Jornalista e historiador

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da publicação.

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