Stefan Bogdan Salej*

Ninguém sabe ao certo quantos são: 16 milhões, 12 milhões, 4,6 milhões. Cada um, IBGE, SEBRAE, Ministério da Economia, fala um número. Número de pequenas, microempresas, empreendedores. Os dados mais confiáveis, e que governo menos usa, são do IBGE, que dizem que 87% das atividades econômicas do país são exercidas por esse segmento econômico. E principalmente social, já que ele é o grande amortecedor do desemprego no país.

Esse segmento é que também emprega o maior número de pessoas, bem maior do que os 35 milhões que possuem carteira de trabalho assinada. No desemprego, lembra de anos atrás, do engenheiro que virou sorveteiro? O brasileiro e a brasileira não têm muita opção senão virar “empreendedor” ou seja, trabalhar por conta própria. E vai sobrevivendo da noite para dia, às vezes cumprindo as obrigações legais e registrando a empresa dentro de uma legislação um pouco mais flexível do que a legislação que rege o mundo empresarial (uma das piores do mundo, segundo o Banco Mundial) e na maioria das vezes, informal. É só para sobreviver, incluindo a família como um todo no negócio.

Não deixa de ser surpreendente como as pessoas são criativas, trabalhadoras e cumpridoras de suas obrigações nesse mundo que Brasil elitizado, seja empresarial, seja governo, consideram marginalizado. Basta andar no bairro Jardins, em São Paulo, para ver como a elite, consolidada politicamente e empresarialmente, olha com desprezo os camelôs, vendedores da rua e outros que não conseguiram emprego e estão defendendo nada mais e nada menos que o pão de cada dia.

E nessa situação de hoje, onde está esse lumpenempresariat, os que não chegaram a ser empresários, que são chamados de informais, de empreendedores e não sei o que mais, mas que representam certamente o maior segmento da população brasileira?

Estão abandonados à sua própria sorte, ao deus dará, porque os negócios estão fechados e os governos em todos os níveis os enxergam como um incômodo com o qual não sabem lidar. O SEBRAE, que foi criado para desenvolver justamente esse setor, tornou-se uma entidade que abriga políticos defenestrados nas eleições, burocratizada, e com sensibilidade de um elefante na loja de cristais para tratar esses segmentos econômicos. Respondeu na crise com uma campanha publicitária, tradicionalmente um bom canal para se ganhar dinheiro, e com propostas para garantir empréstimos, que chegam ser ridículos em relação ao total do segmento.

Em resumo, o dinheiro para esse segmento econômico não chegou e a pergunta é se sequer vai chegar. Os bancos estatais, BB e Caixa, há muito tratam com desprezo e altivez, apesar de terem assento nos conselhos do SEBRAE, os empreendedores. Esse segmento também, apesar das palavras bonitas, não é coberto pelas entidades empresariais tradicionais. E o setor não tem lideranças que o defendam. Esses “empresários” precisam desde conselho para reorganizar seu negócio até recursos financeiros para sobreviver. Há sinais de ajuda de alguns setores privados, como o projeto Canguru, que assiste através de mentores de grandes empresas, os microempresários, mas não o suficiente para mudar o paradigma da crise.

Com novos desempregados em função da crise da Covid-19, essa massa crítica de empreendedores só vai aumentar. Os desempregados, que tinham uma janela de oportunidade no empreendedorismo, estão vendo a diminuição de oportunidades e assim o amortecedor social vai ser cada vez menos eficaz. Nós estamos encaminhando para uma convulsão social desse lumpenempresariat que vai se organizar e que é maior do que os sindicatos organizados dos trabalhadores. É a maioria silenciosa para a qual o governo liberal, entendendo que a solidificação do crescimento será via sistema financeiro e grandes empresas privadas, não dá a mínima.

Hoje, as políticas confusas de combate à epidemia os mantem isolados nos negócios e na vida, mas até quando? Se a porteira abrir, esse empresariado estará preparado para um mundo novo? E se continuar fechada, até quando aguentarão simplesmente sobreviver?

Há muito discurso, mas nenhum plano de ação que diga que uma solução jabuticaba, que levava os desempregados para um mundo empresarial, vai poder continuar nas novas condições que o Covid19 nos impõe. Estamos perante uma situação que mescla bem um problema social de grandes proporções com uma situação econômica sem solução. Quem sabe alguém tem a brilhante ideia de chamar um bombeiro militar para resolver isso.

*Empresário, Ex-presidente da FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e do SEBRAE-Minas.

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