*Por Carlos Alberto Teixeira de Oliveira

O Brasil perdeu, no dia 10 de dezembro do ano passado, um dos maiores ícones das finanças nacionais e um dos mais expressivos nomes do setor bancário mundial – considerado pela revista Forbes detentor da maior fortuna pessoal do país, estimada em US$ 23,2 bilhões (R$ 119,1 bilhões) e da 63ª maior do mundo.

Banqueiro e empresário, Joseph Yacoub Safra, de 82 anos, nascido em Beirute e filho de Jacob Safra, veio para o Brasil em 1962, tendo adotado a nacionalidade brasileira alguns anos após e da qual sempre exibia bastante orgulho e apreço. Ao lado do irmão Moise Safra, morto em 2014, Joseph liderou um dos principais grupos financeiros do Brasil – o Grupo Safra, com presença em 25 países.

Ele era conhecido como patriarca da mais tradicional família de banqueiros do Brasil. “Homem afável e perspicaz, dedicou sua vida à família, aos amigos, aos negócios e causas sociais. Foi um grande banqueiro, um verdadeiro empreendedor que construiu o Grupo Safra no mundo, obtendo sucesso por sua seriedade e visão de negócios. Foi um grande líder e muito respeitado dentro e fora da organização”, disse o Banco Safra, em nota encaminhada à imprensa no dia do seu falecimento.

José era um dos oito filhos de Jacob Safra. Nasceu no Líbano em 1938 e chegou ao Brasil em 1962. Poliglota, falava seis línguas, além do português: inglês, francês, espanhol, italiano, árabe e hebraico.

A família, porém, não chegou de uma vez só ao país. Alguns filhos ficaram na Europa, para estudar. Em 1962, Edmond, que tinha chegado ao Brasil com o pai, montou o Trade Development Bank, em Genebra. Em 1966, construiu o Republic, nos Estados Unidos — quem cortou a fita na inauguração do banco, em Nova York, foi o senador Robert Kennedy. O banco foi vendido para o HSBC, por US$ 3,3 bilhões em 1999, em um dos maiores negócios entre bancos da história. Edmond morreu em um incêndio criminoso que consumiu seu apartamento em Mônaco, em 1999, aos 67 anos.

Joseph não ficou atrás do irmão mais velho e montou vários bancos. Além do Banco Safra, criou mais cinco instituições financeiras no exterior, localizadas nos Estados Unidos, Israel, Uruguai, Ilhas Cayman, Luxemburgo e Bahamas. Joseph, porém, não chegou ao Brasil junto com o pai. Antes, estudou na Inglaterra e recebeu o diploma do equivalente ao diploma do segundo grau no Brasil. Ele ainda passou pelos Estados Unidos, onde trabalhou no Bank of America, e pela Argentina. Joseph não cursou faculdade, costumava dizer que era “fascinado” por bancos desde menino e aprendeu o ofício vendo o pai trabalhar.

Joseph Safra não era apenas um banqueiro. Um dos brasileiros mais ricos do mundo, gostava de colecionar livros raros, obras de arte, adorava arquitetura e ainda era fanático por futebol, a ponto de viajar ao exterior só para assistir a um jogo da seleção brasileira. Durante a Copa do Mundo de 2014 presenciou praticamente todos os jogos da Seleção Brasileira e, inclusive, os de fora de São Paulo. Torcia para o Corinthians. Avesso à imprensa, não gostava de ser fotografado e não dava entrevistas.

Por décadas, foi Joseph, conhecido carinhosamente entre os funcionários por “seu José”, que comandou o banco fundado por seu pai. Ele passou os últimos anos na Suíça, ao lado da mulher Vicky, com quem se casou em 1969 e teve quatro filhos: Jacob, Esther, Davi e Alberto. Apesar de debilitado pelo mal de Parkinson, ainda se mantinha presente no dia a dia dos negócios.

De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, “a cultura que Joseph impôs nos negócios da família imprimiu na marca Safra uma imagem de solidez e de que o banco é blindado a crises.

Enquanto fazia negócios mundo afora, Joseph Safra também se dedicou à filantropia. Foi um dos maiores doadores dos hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo. À Pinacoteca, ele doou esculturas de Rodin e ao Museu de Israel, em Jerusalém, o manuscrito original da Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Durante a pandemia da Covid-19, o banco doou cerca de R$ 40 milhões para hospitais e Santas Casas.”

Joseph Safra é da quarta geração de uma tradicional família de banqueiros, com origem na Síria, que começou financiando o comércio entre as cidades de Aleppo, Constantinopla e Alexandria. Jacob, pai de Joseph, mudou-se para o Líbano depois da Primeira Guerra Mundial e abriu o Jacob Maison de Banque em Beirute. Foi lá que Joseph nasceu, em 1938.

A vinda para o Brasil, na década de 1950, tem relação com a perseguição aos judeus no Oriente Médio, após a criação do Estado de Israel. Joseph contou certa vez que seu pai migrou com a família buscando um refúgio, porque acreditava que a terceira guerra não demoraria a começar.

Antes de se juntar aos pais e irmãos em São Paulo, Joseph Safra concluiu os estudos na Inglaterra e chegou a trabalhar no Bank of America, nos EUA. Edmond, o mais velho dos nove irmãos, assumiu os negócios da família no exterior, enquanto Moise e Joseph ajudavam Jacob no Brasil.

Perto de completar 70 anos, Joseph já começava a colocar em curso seu plano de sucessão para entregar o comando dos negócios aos filhos Jacob, Alberto e David (Esther chegou a trabalhar durante um ano no banco). A troca de bastão, no entanto, acabou sendo adiada por causa da crise financeira global de 2009. Mesmo nas grandes crises financeiras, o banco nunca precisou de socorro do governo. Mas, nos bastidores, o banqueiro sempre esteve perto do poder.

Nos anos seguintes à crise global, com a discrição que lhe é peculiar, Joseph surpreenderia o mercado com o anúncio de grandes negócios. Em 2012, comprou o banco suíço Sarasin, dobrando o volume de recursos sob sua administração. Dois anos depois, junto com o empresário brasileiro José Luís Cutrale, entrou na disputa (e ganhou) por uma das maiores produtoras de bananas do mundo, a americana Chiquita Brands International, adquirida por US$ 1,3 bilhão.

Atualmente, o conglomerado da família Safra inclui, além de bancos na Suíça, no Brasil e em Nova York, mais de 200 imóveis ao redor do mundo, entre eles o famoso Gherkin Building em Londres.
A área internacional está sob o comando de Jacob, o filho mais velho de Joseph. No Brasil, David e Alberto dividiram a gestão do banco por seis anos até o fim de 2019. Por busca de outras estratégias e novas oportunidades, Alberto deixou a instituição e abriu a gestora de recursos ASA Investments.

“É com imenso pesar que comunicamos o falecimento, nesta data, do Sr. Joseph Safra, aos 82 anos, de causas naturais. Seu José, como era chamado pelos mais próximos, nasceu em 1938 no Líbano e imigrou para o Brasil na década de 60, para dar continuidade aos negócios de seu pai, construindo os sólidos alicerces do Grupo Safra, mais conhecido no Brasil como Banco Safra”, diz nota oficial divulgada pelo banco.

“Em 1969, casou-se com Vicky Sarfaty, com quem teve 4 filhos e 14 netos. Foi um grande banqueiro, um verdadeiro empreendedor que construiu o Grupo Safra no mundo, obtendo sucesso por sua seriedade e visão de negócios. Foi um grande líder e muito respeitado dentro e fora da organização. Viveu uma vida exemplar, simples e reservada, sem ostentação, longe da exposição geral. Sempre dizia ter muito orgulho da cidadania brasileira e de torcer pelo Corinthians”, acrescenta o comunicado.

Apesar da desconfiança inicial, a estabilidade e o conservadorismo do Banco Safra – oficialmente fundado em 1967 com o nome de Banco de Santos – atraiu parte da riqueza paulistana e ganhou a fama de ser o “banco dos banqueiros.”

O lema do Banco Safra é uma frase de Jacob: “Se escolher navegar os mares do sistema bancário, construa seu banco como construiria seu barco: sólido para enfrentar, com segurança, qualquer tempestade”.

Para Joseph, a manutenção da reputação e da solidez do Safra era a alma de seu negócio.

Com o sucesso de suas operações, os Safra passaram a comprar outras instituições financeiras. Em 1972, com a aquisição do Banco das Indústrias, o nome Banco Safra passou a ser oficialmente utilizado. Joseph sempre controlou o Safra de forma minuciosa. Seu estilo de gestão envolvia muito estudo sobre os riscos dos negócios e um raro faro comercial.

O Safra sempre foi considerado o típico banco de dono. Durante mais de 50 anos, foi liderado por Joseph diretamente e com pulso firme. Desde 2013, estava afastado do dia a dia, mas sua importância na condução da instituição era clara. Até pouco mais de um ano atrás ainda comparecia ocasionalmente na sede, na Avenida Paulista, apesar de já estar fragilizado pelo mal de Parkinson. Desde que saiu da linha de frente, dividia seu tempo entre as cidades de Genebra e São Paulo.

Fonte: Jornal Estado de Minas – março de 1982

Histórias contadas por quem trabalhou ao lado de “seu José” mostram um dono de banco atento, mas muitas vezes rigoroso. Conhecia, com minucias de detalhes, as principais engrenagens de funcionamento da organização e, para isso, contava com uma assessoria de planejamento e controle que permanentemente avaliava os resultados e os rumos que deveriam ser seguidos. Sempre possuía estratégias de atuação muito bem definidas e uma avaliação de riscos de mercado e de tomadores de recursos bastante sofisticados e eficazes.

Segundo algumas pessoas que conheceram o banqueiro pessoalmente, Joseph era bem-humorado, educado, cordial e tímido. Influente, o banqueiro recebeu telefonema de Luiz Inácio Lula da Silva logo após sua posse. Lula pedia três sugestões de nomes para a presidência do Banco Central. Os outros banqueiros consultados foram Lázaro Brandão, do Bradesco, e Olavo Setúbal, do Itaú.

Eu tive o privilégio de conviver com “Seu José” durante os quase sete anos em que trabalhei no Grupo Safra, alguns deles como principal executivo – (Executive Vice-Presidente/CEO) do Safra National Bank of New York, em Nova Iorque nos Estados Unidos, durante os anos 1980, sendo um de seus pioneiros. Ele era uma pessoa afável, formal, elegante, gentil e de gosto refinado, apreciava as artes e curtia uma boa música, principalmente as clássicas. Sempre me trazia pacotes de cigarro Minister todas as vezes que vinha do Brasil. Vestia, invariavelmente, ternos muito bem cortados, escuros e preferencialmente da cor azul, combinando com gravatas também geralmente azuis ou escuras. Camisas eram quase sempre brancas, impecáveis e de colarinho engomado. Todas as vezes que falávamos ao telefone e que nos encontrávamos, sempre as primeiras perguntas eram: como está sua família, a sua esposa, filhos e mãe? Como está a sua saúde?

Viajamos algumas vezes juntos para o exterior acompanhados das esposas, como durante a realização da Reunião Anual do BID – Banco InterAmericano de Desenvolvimento, ocorrida na segunda semana de março de 1985 e coincidente com a data de posse prevista do presidente Tancredo Neves e que não ocorreu. Segundo o que ele me relatou no dia é que, naquela ocasião, a posse não ocorrera por uma suspeita de atentado ou golpe sendo, algum tempo mais tarde, sido revelada que era por doença mesmo de Tancredo, uma diverticulite aguda.

Em várias outras oportunidades estivemos juntos em suas raríssimas aparições públicas, como nos eventos do “Homem do Ano” em Nova Iorque ou nas tradicionais e memoráveis recepções oferecidas aos participantes das Reuniões Anuais do Board of Governors do Banco Mundial e FMI, em Whashington, Estados Unidos, no National Galery of Arts, em conjunto com o Republic National Bank.

Deixo aqui registrado o meu profundo pesar por esta irreparável perda, bem como as minhas condolências e o abraço fraterno a toda família Safra e, especialmente à sua esposa Vicky e filhos!

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