“Quis vir a este Instituto Superior de Estudos Brasileiros, atendendo ao vosso generoso convite, a fim de exprimir a importância e o alcance que atribuo à ideia básica que motivou a criação deste centro de irradiação de cultura. Creio que definirei a orientação desta casa, o seu espírito e suas diretrizes, se disser que é a realidade brasileira, o conhecimento vertical do Brasil que aqui se procura. É a integração do tema nacional no plano de cultura universal que aqui se busca.
Este Instituto é norteado por um princípio nacionalista que me parece certo e revestido da dignidade indispensável ao plano cultural em que se colocou, desde os primeiros dias, a orientação universitária que nesta casa se pratica. Sois nacionalistas porque procurais colocar o Brasil em contato com as correntes de ideias do mundo; porque procurais acrescentar à maneira de ver própria de nossa intransferível experiência os instrumentos culturais que constituem patrimônio comum da humanidade; sois nacionalistas porque afirmais ser indispensável mantermos as nossas próprias características e, ao mesmo, tempo proclamais a necessidade de recebermos a cooperação, em larga escala, dos conhecimentos e do capital estrangeiro, indispensável, como proclamou o orador da turma Barão de Mauá, no seu lúcido e equilibrado discurso, ao desenvolvimento brasileiro. Sois nacionalistas porque a nação é o vosso tema, e tratais esse tema em termos de cultura e não apenas sob os aspectos do pitoresco e das manifestações espontâneas da mentalidade primitiva.
Procurais, aqui, apurar, enriquecer, definir e criar um pensamento brasileiro, um pensamento nacional de que resultará uma atitude de naturalidade e justiça no trato com os outros países, diante dos quais não devemos comparecer com medo de sermos influenciados ou traídos, nem com a pretensão de mudar o que se encontra definido em culturas que o tempo estabilizou e fixou.
Ao que pretendeis realizar é que chamo de pensamento nacionalista. O nacionalismo brasileiro, tal como o concebo, tem uma finalidade precisa nesta hora, nestes anos decisivos, que é trabalhar pelo desenvolvimento.
Prestareis um serviço inestimável e precioso ao país, se ajudardes na tarefa de formar uma mentalidade, um espírito, uma atmosfera de inteligência para o desenvolvimento. Chegou a hora em que o desenvolvimento não prosseguirá sem que haja a estimulá-lo, a ajudá-lo, a ampará-lo, uma melhor compreensão da realidade. Até aqui, o desenvolvimento tem sido obra de alguns poucos heróis em luta contra a incompreensão, o atraso, a mentalidade negativa, a falta de visão, a burocracia; mas, de agora em diante, esses mesmos homens que ajudam o avanço do país passarão a encontrar obstáculos insuperáveis, se não se transmitir ao povo — que é capaz, pela sua inteligência, de tudo compreender — o sentimento, a noção de que o Brasil só se salvará pelo desenvolvimento, pelo enriquecimento, pela expansão ordenada, planificada, apoiada em dados que a ciência fornece aos que a ela recorrem.
Mas confesso que não sou justo quando digo que é ao povo que se deve transmitir o que me perdoareis classificar como uma filosofia, um pensamento, uma política do desenvolvimento. Mais do que o povo, necessitam dessa transmissão da verdade as elites, impregnadas tantas vezes de um formalismo e de uma limitação que, aliados à capacidade de formulação que não lhes falta, constituem força de paralisação e desentendimentos prejudiciais.
O povo é criador, o povo é receptivo, o povo toca com as mãos, todos os dias, o que procurais aqui nos vossos livros, nas vossas meditações, nos vossos seminários — a realidade. O povo se impregnará, com facilidade, de todos os temas construtivos que lhe propuserdes. As elites, porém, resistirão mais, resistirão até o fim mesmo, com os seus prejuízos e preconceitos.
O que se espera de um Instituto como este é a formação de novas elites. Das elites que irão colaborar na batalha do desenvolvimento, que tanto importa, repito, na salvação do país.
Disse diversas vezes, na campanha presidencial, e aqui o repito — só temos um caminho a seguir, que é o do desenvolvimento. Só com o desenvolvimento superaremos as crises que atribulam a nossa marcha.
Vós sois combatentes do desenvolvimento no plano da inteligência, e a vossa tarefa é, por isso, a mais difícil e a mais gloriosa de todas. Difícil, porque encontrareis armadas contra as vossas ideias as forças mais negativas, o espírito crítico mais dissolvente, o desdém, a superioridade individualista, que encontram guarida na inteligência como parasitas nas grandes árvores generosas. Vossa tarefa de catecúmenos do grande Brasil será mais árdua e mais perigosa, porque lutareis com argumentadores, com finos representantes da decadência, com gente de recursos. Mas vencereis sempre, porque tendes ao vosso lado os mais autênticos interesses nacionais, e vossa superioridade é que pisais a terra com os vossos pés; a vossa inteligência se ampara na realidade, que é, finalmente, invencível.
Pertenceis à turma Barão de Mauá, e o terdes escolhido tal nome vos classifica e recomenda. Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá, é um dos patriarcas da independência do Brasil. Outros trabalharam por essa independência nas lutas políticas e militares; Mauá iniciou a consolidação da Independência do Brasil, no segundo Império, na afirmação e na prática do desenvolvimento. Praticamente só, numa hora espessa, numa hora sem ressonância alguma, lutou por um Brasil maior, por um Brasil potência industrial, com influência no continente. Recolheu o vosso patrono como prêmio de sua atividade fecundíssima e incrível, se tomarmos em conta o tempo em que se processou, a falência que lhe impôs a mediocridade, a burocracia, a inveja, o ressentimento e, principalmente, a incompreensão, que não lhe deram tréguas, como tréguas não dão a outros homens que continuaram a lutar no mesmo sentido em que lutou o vosso patriarca.
Glorificais um falido, um homem extraordinário, que sofreu campanhas memoráveis, que foi negado e renegado muitas vezes, que padeceu, que se arruinou e foi culpado por ter agido em hora que não era propícia às grandes personalidades, como ele o foi.
Os perseguidores de Mauá ainda se encontram de armas na mão e ativos na praça pública, confundindo propositadamente os que trabalham com os que especulam em prejuízo da nação; farejando escândalos, acusando a torto e a direito, para que os chefes de empresas, os capitães do desenvolvimento se atemorizem e mudem de ideias.
O Brasil se acha em plena fase de elaboração de sua grandeza. O Brasil necessita e tem de apoiar-se na ambição, no denodo, no espírito de luta dos homens da livre iniciativa, dos pioneiros; quem negar isso nega a própria essência dos vossos estudos, que é a captação da realidade.
Honra-vos terdes escolhido, em lugar de outro nome qualquer, para vosso homenageado principal, a figura de um brasileiro em que todos reconhecem hoje alta benemerência, mas que passou horas amargas, cercado de incompreensão por todos os lados.
Saúdo em vós, componentes da Turma Mauá, patrícios compreensivos e enobrecidos pela inteligência objetiva. Estais preparados para servir a este país, para ajudar a que se proceda à operação de abrir os olhos da nossa gente para o que possuímos, para o que é este império.
Estou empenhado apaixonadamente nessa luta. Vivo horas de esperança e, embora não tenha descanso e não poupe ao serviço público nenhum instante de lazer, sinto que o tempo não chega para aproveitar-se do ensejo que a Providência me ofereceu. Desejo ajudar o Brasil a crescer, a colocar-se em posição de relevo, a tirar todas as consequências do patrimônio que recebemos de nossos maiores. Para essa tarefa, para auxiliar-me nessa luta, é que vos convoco, é que necessito de vossos préstimos, de vossas luzes e do que aprendestes neste curso, em que figurou vivo e palpitante o nosso extraordinário e tão pouco compreendido Brasil.”

Discurso como paraninfo da turma de estagiários do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, no dia 19 de dezembro de 1956, no Rio de Janeiro – DF, pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira – Texto extraído da Coletânea de 3 livros “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento – Exemplos e Lições ao Brasil do Século XXI”, de autoria de Carlos Alberto Teixeira de Oliveira.

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