JK: As batalhas políticas devem ser ganhas dentro do mais completo respeito à lei
JK: As batalhas políticas devem ser ganhas dentro do mais completo respeito à lei
JK: As batalhas políticas devem ser ganhas dentro do mais completo respeito à lei

“Achei oportuno dirigir-me à Nação neste momento em que o corpo eleitoral irá indicar novo Governo para a República, em que irão ser escolhidos governadores estaduais e o povo do Estado da Guanabara elegerá os seus constituintes. Verificamos, com satisfação, que o ato democrático de renovação do poder político pela vontade expressa do povo se vai exercer dentro da paz, da ordem, sem constrangimento de qualquer natureza.

Podemos, já agora, proclamar um grande avanço na consolidação do regime democrático, afastados os perigos, destruídas e relegadas as tristes pretensões de perturbação do ritmo de vida do país a pretexto de corrigir erros da vontade popular. A Nação revela-se, nesta hora, decidida a colocar-se acima das paixões que ainda ontem procuravam não apenas tumultuar os pleitos, mas ainda usar a própria violência para intervir em problemas por sua natureza circunscritos à decisão das urnas.

Por ocasião do pleito que me elegeu Presidente da República, já a Nação dera provas de maturidade política e de resistência moral reagindo e fazendo imperar a lei. Mas essa vitória da democracia contra a desordem insuflada pelo arbítrio e pela falta de firmeza, no refrear as ambições, foi obtida à custa de muitas lutas perigosas e de sacrifícios ingentes. Pretensos líderes democráticos deixaram nessa ocasião cair a máscara. Sofremos pressões de toda ordem; verificaram-se as mais absurdas ingerências. Defendia-se, à luz do dia, a oportunidade do golpe. Diante do que parecia uma força eleitoral considerável, e só por ser força eleitoral, revelava-se a revolta incoercível dos que não se conformavam com o respeito à lei; partidos inventaram a estranha prerrogativa de decidir quais deveriam ser os candidatos de seus adversários.

Mais do que uma campanha para obter votos dos meus patrícios e expor-lhes os meus pontos de vista sobre os problemas nacionais, tive de dedicar-me, de esforçar-me, de lutar ininterruptamente para defender o meu direito a ser candidato e a liberdade de meus correligionários em escolherem aquele que lhes parecia em condições de alcançar a Presidência da República. Não sou homem de queixas, nem de ressentimentos. Toda a Nação sabe que não esqueço jamais o bem que me fazem; e se tenho boa memória para as minhas obrigações e compromissos, rapidamente olvido os agravos recebidos e mesmo o mal que me quiseram fazer, ou conseguiram fazer-me. Mas nesta hora não inventario; rememoro apenas a série de injustiças e de ciladas com que procuraram derrubar um homem que se atrevia a defender a faculdade de ser julgado pelo voto; evoco apenas os dias atormentados que suportei, para cumprir o dever de agradecer a Deus a mudança do quadro, mudança total, mudança completa.

Recolho os frutos de uma semeadura de paciência, de tolerância, de constante aspiração ao bem. Aqui, neste instante, falando ao povo de meu país, posso afirmar que Deus não permitiu que eu me vingasse de quem quer que fosse, mesmo dos meus mais acirrados desafetos; e que eu não pagasse com o mal o que de mal recebi. Não me acusa a consciência de nenhuma perseguição determinada por mim. Foi-me felizmente possível conter-me sempre. Nem um só dos meus adversários sofreu a menor restrição no meu Governo, e numerosos foram aqueles a que atendi, sem discriminar entre amigos e inimigos, cada vez que houve justiça a praticar.

Posso dizer tranquilamente que, tendo enfrentado as mais terríveis lutas, tendo sido obrigado a fazer face a toda espécie de adversários, alguns duramente encarniçados contra mim, não consigo, voltado para a minha própria alma, considerá-los inimigos, nem descobrir alguém a quem houvesse desejado o mal. Creio que essa disposição à concórdia, esse desapreço à vingança, essa compreensão às razões e desrazões alheias muito ajudaram a que chegássemos a esta hora — que sempre fora crucial nas eleições — com um ambiente desanuviado, sem ninguém sentir-se forçado a esconder ou dissimular as suas preferências políticas. Prometi, jurei a mim mesmo não poupar-me da canseira ou sacrifício para que o meu sucessor, fosse ele quem fosse, não atravessasse as mesmas duras e mortificantes horas que atravessei.

Considerei, desde o início de meu governo, de alta prioridade a meta política ora alcançada: não haver pronunciamentos militares; não tentarem influir forças econômicas ou políticas em decisões exclusivamente do âmbito da Justiça Eleitoral, constituída para decidir, ela mesma, e tão somente ela, sobre o destino de candidaturas e o processo das eleições. Experimentei, um por um, quando candidato, os percalços que me esforcei por evitar se reproduzissem nas eleições subsequentes.

Recorda-se a Nação de que grupos civis e militares se reuniam na pretensão de decidirem que rumo devia o Brasil tomar. Felizmente eram apenas grupos, pois as forças de terra, mar e ar guardavam, apesar das exceções, a sua nobre e já tradicional fidelidade ao regime republicano e aos ideais democráticos. Disputam, agora, o poder tendências, inclinações impossíveis de harmonização; a despeito disso, entretanto, pairam bem alto, intocáveis, a liberdade de eleger ou de ser eleito, e o direito, sem restrições, à manifestação da vida política.

A prerrogativa de o povo escolher e deliberar sem constrangimento, quem ousará pô-la sequer em discussão? Nenhum membro das classes armadas julgou oportuno dirigir-se à comunidade brasileira em nome de sua corporação. Por entre as mais violentas explosões da propaganda eleitoral, a autoridade governamental manteve-se nas linhas de uma serenidade própria a quem deseja que a vida partidária do país atinja o grau de consolidação indispensável às responsabilidades do Brasil.

Resisti a todas as seduções; não aceitei qualquer espécie de sugestão que visasse a reformas constitucionais — mesmo as da mais aparente conveniência — que permitissem a reeleição do Presidente. Deixei bem a distância insinuações, sob qualquer pretexto, à prolongação de meu mandato. É que se impunha o mais estrito respeito à lei.

O Brasil espera que, de agora em diante, ninguém tenha procedimento diferente. As batalhas políticas devem ser ganhas dentro do mais completo respeito à lei. Ninguém mais ousará pensar que, entre nós, percurso do caminho democrático deverá ser recomeçado sempre que for chegada a hora de o povo se manifestar. Ao contrário, é a continuidade a única via de um estado de plenitude e de equilíbrio do regime.

Sabemos das fragilidades naturais a um sistema ainda longamente sedimentado e de tão rigorosa obediência à lei do número; sabemos que a melhor democracia exige um corpo eleitoral devidamente possuidor de conhecimentos os mais completos; mas sabemos que democracia não é milagre, é antes obra de conquista progressiva.  Além disso, nosso povo é admiravelmente bem-dotado de sagacidade e inteligência, e nenhum outro o ultrapassa na aptidão de discernir onde se encontram os seus verdadeiros interesses.

Em face da eleição que aí está, quero mais uma vez dizer que, homem de partido e fiel aos meus amigos, tenho os meus candidatos: Marechal Henrique Duffles Teixeira Lott e o Sr. João Goulart. Acima de tudo, porém, está o meu dever de Chefe da Nação, e esse dever me obrigaria, se a hipótese se apresentasse – o que felizmente não ocorre de maneira alguma – a bater-me, até o extremo sacrifício, pela posse daquele cuja eleição fosse reconhecida e proclamada pela justiça competente.

Mas graças a Deus, que protege o Brasil e deseja que vivamos com dignidade, só persistem, em atitudes antidemocráticas, uns poucos marginais. As forças armadas, exemplarmente silenciosas, afastadas e imunizadas de febre partidária, cumprem e cumprirão o dever de assegurar a liberdade dentro da ordem. Já nos conduzimos como um país para o qual o regime de garantias plenas deixou de ser uma experiência. A tenra planta se vai transformando em árvore de raízes fortemente fincadas na terra.

Os que sempre desejaram que chegássemos a este resultado certamente se julgam felizes; os que falharam à fé democrática, quando sentiram que seus adversários de ontem é que sairiam vitoriosos, se a lei fosse mantida, que não se lembram mais de agora em diante, de perfilar princípios para uso particularmente egoísta. Temos de tolerar as nossas deficiências e de encontrar remédios para elas dentro dos quadros legais. A era dos golpes, dos arbítrios, das violências, da desobediência à lei encerrou-se em definitivo. Dou graças a Deus por ter podido contribuir para libertar o Brasil das turbulências e retirar esta nação da zona de insegurança para onde perigosamente a dirigiam.

Que o povo vote como quiser, tranquilo, sereno, mas que vote bem, que vote conscientemente. Que as pugnas partidárias, com as suas consequências eleitorais, se desenvolvam sem excessos de destruição, mas que sejam um atestado do nosso desenvolvimento político. A luta contra a estagnação e a miséria será tanto maior, quanto mais amadurecidos e politicamente adultos formos todos nós.

A campanha pela nossa libertação econômica total depende da política, porque ela é, em essência, uma política.

O Brasil tem sede e necessidade vital de entendimento entre os seus filhos. Que a vida partidária floresça cada vez mais; que os grupos que representam as tendências e inclinações na opinião pública continuem cada vez mais nítidos e firmes nos seus postulados, nas suas convicções, sustentando o jogo das instituições; mas que se evite, a todo o transe, o ódio que apodrece as almas, quando impotente, e tudo incendeia e destrói quando encontra ocasião de manifestar-se e expandir-se.

Precisamos ter, acima das paixões e dos impulsos partidários, uma unidade de pensamento no que toca à posição internacional de nosso país e no que se refere à urgência de convergirmos todos os esforços nacionais para crescermos, avançarmos, libertarmos os nossos patrícios de uma miséria, dolorosa para os que padecem, e humilhante para todo o país. Paz para o trabalho, paz para a marcha em direção a um grande destino, paz democrática, paz viva feita de convicção, de bens próprios e ideais, de disposição de lutar pela sua vitória é o que devemos alcançar. Paz viril, prova do triunfo sobre a desordem e os transbordamentos irrefreáveis.

Sinto-me, meus patrícios, inteiramente tranquilo para esta exortação a um bom convívio entre os brasileiros.

Em todos os momentos de meu governo usei esta mesma linguagem. Mesmo na hora em que poderia falar de outra maneira, em que me instigavam os adversários da ordem e da lei a perder a paciência, mesmo então não pensei nem agi de maneira que não conduzisse à paz, ao entendimento e à solidariedade entre os que têm os interesses ligados ao interesse do fortalecimento e da prosperidade do Brasil. Essa boa convivência não me beneficiará mais como homem de governo; como brasileiro, porém, desejo-a de maneira ardente.

A hora que o mundo atravessa é, sem dúvida, perigosa demais para que nos dilaceremos, para que não estabeleçamos, em nossas divergências, as fronteiras dos interesses deste país, que já é um grande país, mercê de Deus confiado a um povo que sabe velar para preservá-lo com decisão, coragem e amor.”

(Texto do discurso proferido pelo Presidente Juscelino Kubitschek, no Rio de Janeiro e 30 de setembro de 1960 e transmitido pela rede radiodifusora e televisora da Voz do Brasil, às vésperas do pleito eleitor à sua sucessão, sobre o processo democrático brasileiro. Extraído da Coletânea de 3 livros intitulada “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento – Exemplos e Lições ao Brasil do Século XXI, de autoria de Carlos Alberto Teixeira de Oliveira.)

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