JK: APAGAR DO NOME DO BRASIL O QUALIFICATIVO DE PAÍS SUBDESENVOLVIDO
JK: APAGAR DO NOME DO BRASIL O QUALIFICATIVO DE PAÍS SUBDESENVOLVIDO
JK: APAGAR DO NOME DO BRASIL O QUALIFICATIVO DE PAÍS SUBDESENVOLVIDO

O amigo e ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, em entrevista concedida ao Canal UOL, em 28 de setembro último, afirmou: “Estamos em pleno subdesenvolvimento acelerado” e, ato contínuo, lembrei-me deste importante discurso, pronunciado pelo presidente Juscelino Kubitschek no Teatro Municipal, durante o encerramento dos trabalhos do Congresso das Assembleias Legislativas do Brasil – São Paulo – SP – 18 de novembro de 1956 e apresento a seguir:

“O Brasil é quase um continente, é um país que apresenta aspectos os mais diferentes e contraditórios; é uma nação numerosa, com regiões extremamente dessemelhantes, mas é, acima de tudo, na sua benéfica variedade geográfica, um todo, uma unidade, e que assim deve comportar-se e conduzir-se.

Cada um de vós aqui reunidos representa uma parcela de interesses, um ponto de vista particular que procura a solução de certa espécie de problemas que se impõem, de maneira prioritária, à vossa atenção, mas todas essas parcelas de interesses que encarnais devem forçosamente somar em favor do Brasil.

A solidariedade entre os Estados brasileiros não pode ser um ato de boa vontade, uma disposição ou mesmo uma atitude passiva: quer o queiramos, quer não, o nosso país é um só, é uma só alma, um só corpo — somos uma fraternidade, uma família, e só poderemos crescer, desenvolver-nos e até mesmo sobreviver, unidos — tal como nascemos.

A grandeza de nossa destinação é fruto de nossa unidade. Chamem a essa unidade como quiserem: será um milagre, ou o resultado de circunstâncias fortuitas; filha do acaso ou obra de sábios e patriotas, de heróis bandeirantes e pioneiros — mas não importa a explicação da fortuna deste grande país, deste grande complexo, que congrega raças diversas, climas os mais antagônicos, mas que respira de uma só maneira, que vibra, que sente, que reage de acordo com uma só e única consciência — e isso de tal maneira, que os interesses de uma parte são ou devem ser os interesses de outra, pois tudo se comunica, tudo é uma só coisa.

Nação do tamanho da nossa nação, com tantas dificuldades; nação que suporta o peso da cruz do seu desenvolvimento; nação em formação, em estado de criação — deparando com problemas novos todos os dias —, força é que se entendam, que se conheçam, que se ouçam os representantes do povo nas Assembleias dos Estados. O próprio regime federativo reclama essa união, para um melhor e mais harmônico funcionamento.

Sois delegados de toda a nação, estais em contato mais íntimo com a realidade das mais diversas regiões do Brasil, deveis conhecer por isso mesmo intimamente os problemas de conjunto, porque se impõe que marchemos todos reunidos e que cessem as profundas dessemelhanças de condições de vida entre os Estados da União.

Vossa tarefa, congressistas aqui presentes, é imensa; não poderá mesmo ser cumprida por uma só geração. Mas ela precisa ser iniciada o mais breve possível. É uma tarefa que consiste principalmente na renovação de nossa mentalidade política. Temos de alcançar uma objetividade, que ainda nos falta e que é, nos povos, o sinal do amadurecimento, da posse da total compreensão e domínio dos seus problemas. Se existe pobreza extrema em certas regiões brasileiras, grande parte da culpa deve ser atribuída à falta de objetividade e ao alheamento em que vivemos todos, durante tanto tempo, de qualquer preocupação tecnológica.

Fórum de desenvolvimento econômico
Fórum de desenvolvimento econômico

Ressalvando as exceções honrosas e prevenindo-nos contra o prejuízo das generalizações — temos de confessar que a mentalidade política brasileira não primou por objetividade. Fomos até mesmo grandes e denodados na defesa dos princípios e doutrinas, na afirmação de nossa personalidade nacional, na solução de problemas humanos dificílimos, como o da superação dos preconceitos raciais, com a generosa e bela solução do problema do trabalho escravo e a instituição de garantias devidas à dignidade da pessoa humana.

Mas, de uma certa forma, ao mesmo tempo que nos afervoramos em debates sobre direitos e conquistas da democracia, que vibramos com as grandes causas universais, parecíamos um tanto esquecidos de fundar as bases do nosso desenvolvimento, de atuar no planejamento de nosso futuro, de nos prepararmos para dirigir e até mesmo para compreender o surgimento deste Brasil que aí está, ainda desordenado, mas inequivocamente apresentando sinais de engrandecimento, de fortalecimento, de importância.

Faltou-nos preparação para o desenvolvimento; nas carreiras liberais, os jovens preferiram sempre, em grande proporção, o estudo do Direito. A tônica de todas as reivindicações era a de maior espaço para a libertação política total; apenas o município, o injustamente censurado espírito municipal impunha aos seus líderes e representantes algumas providências concretas indispensáveis, como pontes, serviços de água, uma ou outra estrada, grupos escolares, enfim, o pouco que permitisse viver com modesta decência. Mas não se passava disso. Não havia — pelo menos não me lembro de ter havido durante o tempo de minha formação — a convicção de que o Brasil necessitava desenvolver-se para sobreviver, de que se impunha uma planificação e de que o primeiro dever do administrador é prever tudo, inclusive as crises provocadas pela aceleração dos ritmos de crescimento do país.

Tive o prazer de verificar, examinando as razões que ditaram a vossa reunião, a parte importante que destes à fundação de uma política de desenvolvimento econômico do Brasil, estabelecendo os princípios de uma orientação de base.

Minha convicção ardente, senhores deputados presentes neste Congresso, é de que não há nenhuma parte desta pátria inabilitada para o enriquecimento e em que seja impossível promover o desenvolvimento e a prosperidade. A pobreza, a miséria mesma de que certas regiões de nossa terra são vítimas, decorre de uma incompreensão trágica e de má interpretação da realidade. Não há Estado brasileiro que esteja fadado, condenado a ser eternamente parente pobre na família. A objetividade, ajudada por uma técnica de primeira ordem, reduzirá as diferenças e as desigualdades, estabelecendo um novo alento, melhorando o nível de vida em toda parte.

Não há terra pobre que resista aos modernos processos de tratamento; não há região do Brasil que não sirva para uma ou outra espécie de cultura; não há muro de miséria ou pobreza que se oponha a tratores, irrigação e adubos, a estradas férreas ou rodovias, ao impacto de geradores elétricos, aos investimentos reprodutivos, à colaboração de elementos progressistas, indistintamente nacionais ou estrangeiros, estes últimos trazendo-nos uma fecunda experiência capaz de poupar longos anos de atraso. Não há miséria ou pobreza que resista ao desejo de integrar a nossa terra numa posição de destaque internacional.

Deveis ser, senhores deputados, os arautos, os paladinos, os militantes de uma grande causa — a causa que nos incumbe defender, que é a da guerra de extermínio ao subdesenvolvimento. Como para a geração que viveu os últimos anos de nosso Império a razão de ser era limpar o Brasil da mancha escravista, a nossa causa, a vossa causa é deixarmos de ser um país subdesenvolvido.

Temos uma tarefa comum, uma causa comum, que transcende de muito o âmbito dos partidos. Essa causa visa a pôr fim à vergonha de sermos uma das nações de mais baixa produtividade no mundo, de contarmos com uma grande parte do povo brasileiro prisioneira do maior e mais negro desconforto, excluída até mesmo do número dos denominados consumidores, pois nada pode comprar, a não ser o indispensável e insubstancial alimento para pôr na boca. A causa da miséria abandonada é também a da liberdade e da independência nacional.

Peço-vos que me ajudeis sempre a lutar pelo Brasil, que a todos pertence e não a determinado grupo ou partido. Ajudai-me a modificar a mentalidade infelizmente ainda reinante, a impor uma noção mais justa e mais legítima de Estado. Ajudai-me na luta contra o empreguismo. Não é possível que a verba de pessoal acabe devorando todos os orçamentos da União, dos Estados e Municípios, paralisando todas as atividades úteis ou mesmo as indispensáveis. Assim nada poderá ser feito em favor do povo. Ajudai-me, ajudando a promover o trabalho e a iniciativa privada que ativa e faz render as riquezas em estado de imobilidade potencial. Ajudai-me finalmente na obra de reerguimento nacional.

O que vos quero propor é que esta reunião seja o marco de um entendimento nacional superpartidário, no que toca à solução dos problemas fundamentais, e o início de uma nova era de maior compreensão das aflições e dificuldades nacionais.

De volta aos vossos Estados e às vossas tarefas de legisladores, que todos aqui presentes se tornem campeões da mesma convicção — de que não há maior e mais estrito dever do que o de apagar do nome do Brasil o qualificativo de país subdesenvolvido. É contra o subdesenvolvimento que nos devemos unir e promover um campo de entendimento que faça recuar mesmo as faixas políticas nacionais mais divergentes”.

(*Este texto integral consta da Coletânea de 3 livros intitulada “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento – Exemplos e Lições ao Brasil do Século XXI”, de minha autoria, lançada em junho de 2019 por MercadoComum – Publicação Nacional de Economia, Finanças e Negócios – Há 29 Formando Opiniões.

A Coletânea contém, no conjunto, 2.336 páginas e compõe-se de três edições impressas distintas:

-Volume I – PROFETA DO DESENVOLVIMENTO

-Volume II – O DESENVOLVIMENTO EM 1º LUGAR

A Construção de uma Nação Próspera e Justa

-Volume III – MENSAGEIRO DA ESPERANÇA

Exemplos e Lições ao Brasil do Século XXI

– Coletânea de 250 discursos proferidos no exercício do mandato da Presidência da República – 1956 a 1960).

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