JK: Afirmar a necessidade de defender o regime de liberdade em que vivemos

JK: Afirmar a necessidade de defender o regime de liberdade em que vivemosJK: Afirmar a necessidade de defender o regime de liberdade em que vivemos*

Não há crime maior do que dar boas razões às más causas

“Convoquei os Ministros de Estado e altos componentes da administração, além de convidar representantes das duas casas do Congresso, com cuja solidariedade e colaboração efetiva conta o meu Governo, para darmos todos forma solene à assinatura de um decreto de interesse público. Aproveito-me desta oportunidade para dizer também algumas palavras de advertência, pois julgo ter chegado o momento inadiável de chamar a atenção do país para o que me parece deve ser devidamente considerado.

Este encontro de hoje, de homens de Governo e outros que ocupam funções de responsabilidade na vida pública, espero que logre ser recebido pela opinião nacional com a importância que as circunstâncias lhe emprestam.

Não estamos aqui apenas para deliberar sobre os meios de vencer dificuldades de natureza administrativa ou econômica, mas para afirmar a necessidade de defender o regime de liberdade em que vivemos.

Seria inútil — além do impossível — esconder que, periodicamente, a nossa democracia é ameaçada, nos seus fundamentos, de maneira particularmente violenta. Essa ameaça intensifica-se com a aproximação dos pleitos eleitorais. Seis meses antes de se ferirem esses pleitos, em obediência aos preceitos legais — desencadeia-se uma campanha extremamente atentatória à estabilidade do regime em que vivemos e do qual não nos devemos afastar. Certos elementos oposicionistas, na previsão da impossibilidade de conquistar o poder político, ou mesmo de melhorar a posição quantitativa no Congresso — por via legal — atiram-se a campanhas cujo objetivo é, de fato, destruir o sistema político que lhes veda a vitória, porque fundado na livre decisão do voto majoritário. Na presciência de que as eleições não lhes corram a contento, atiram-se contra tudo e contra todos, procuram aumentar as dificuldades existentes, armando escândalos, avançando afirmações, que só servem para provocar crise de confiança no regime. Não desejo estender-me em comentários que possam, mesmo de leve, desvirtuar o sentido deste pronunciamento, mas é meu dever advertir a nação contra essas campanhas depredatórias, que antecedem as lutas eleitorais, a fim de que o espírito público conserve a sua serenidade e não se deixe impressionar por ataques injustos que, muito mais do que ao Governo, atentam, repito, contra a própria existência da legalidade democrática em nossa Pátria.

Dito isso — não posso deixar de reconhecer, como manda a verdade, que não é animadora, antes assustadora, a convicção, que se vai generalizando, de que política se faz com a concessão de favores ao eleitorado, mesmo em detrimento dos mais evidentes interesses do país.

Não é possível deixar de fazer uma advertência sobre a necessidade de preservação de alguns princípios, entre os quais se destacam os que dizem respeito à correção e liberdade dos pleitos. Não pode o Executivo consentir, sem prejuízo de sua autoridade, que se lance mão de recursos que lhe são confiados para fins específicos, com a intenção de influir ou alterar a decisão do eleitorado, que deve exercer o seu direito de escolha em nenhuma espécie de interferência constrangedora.

Sou um homem político; na Presidência da República, não me é possível deixar de fazer política, de prestigiar as forças que me apoiam, de procurar cada vez mais obter o concurso do corpo legislativo, a fim de conseguir a minha administração as medidas e leis de que necessita para a sua ação; não deixei, ao assumir as prerrogativas e deveres de Presidente da República, de ser quem sou — um homem que a política trouxe ao Poder. Mas é por isso mesmo que devo, e devemos todos nós aqui, de maneira eficaz, enfrentar os que acaso não se resignarem a obedecer às próprias regras de um jogo que lhes justifica e permite a existência.

Temos nós, homens de Governo ou comprometidos na política do Governo, de militar em favor do regime, e só o podemos fazer lutando pela elevação da democracia, não consentindo que a corrupção intervenha no processo eleitoral. Não há crime maior — afirmei eu, durante a campanha que me elevou, por entre mil dificuldades, à presidência da República — do que dar boas razões às más causas. Se considerarmos como uma causa nociva aos foros da civilização brasileira a luta contra o regime em que vivemos — o nosso primeiro dever consistirá em não darmos argumentos aos que afirmam a nossa imaturidade para a prática da democracia. Temos de dar o exemplo, evitando o aumento da área de conflito entre o espírito público e os interesses eleitorais.

Sei que por isso terei de reclamar o sacrifício de bons amigos e correligionários. Mas se porventura se apresentarem casos que signifiquem e se enquadrem nesse conflito a que acabo de aludir, não poderei hesitar em cumprir o meu dever. Declaro firmemente que não consentirei que o Governo federal, por seus agentes, se envolva em quaisquer lutas com fins eleitorais, feitas em prejuízo da administração.

Não encontraram as forças políticas que me levaram ao Governo numa árdua batalha senão obstáculos, dificuldades e, principalmente, ameaças de todos os modos, até mesmo no que dizia respeito à segurança pessoal dos candidatos, isto sem esquecer a crueldade de certos processos de propaganda, que não hesitaram em empregar recursos extremos para inutilizar a integridade moral dos que se submeteram simplesmente à decisão do voto soberano. Presidente da República, esqueci os agravos, não pensei um só minuto em exercer qualquer espécie de vingança, mas guardei a experiência e não desejo que os antagonistas sofram o que eles próprios me procuraram infligir. Anima-me, nessa direção, a consciência de que é indispensável apurar os métodos e fortificar os princípios éticos da democracia, o que resultará até num melhor rendimento político partidário. Estou hoje certo de que devo a vitória, que me elevou à suprema magistratura da nação, não apenas ao trabalho duro dos meus correligionários e aliados, mas muito, também, à bandeira que os próprios adversários meus me puseram nas mãos.

Peço a Deus que me faça sempre presente a experiência que herdei de um grande esforço, extremamente penoso. Essa experiência consiste, principalmente, em saber que não devemos ceder jamais no que diz respeito a qualquer aspecto da lei moral. Podemos cometer erros administrativos — pois isto está na contingência de nossa condição humana, mas esses erros são corrigíveis, e serão recuperáveis os prejuízos, toda vez que a lei moral for por nós respeitada.

A maior argúcia administrativa, a maior competência, desassistidas de respeito à lei moral, podem dar resultados funestos.

Não é para propor-me à nação como um homem isento de paixões, ou destituído de solidariedade para com os seus correligionários, que desejo tornar indiscutível e clara a isenção de ânimo da minha administração, na luta que se aproxima. Creio que, assim fazendo, colaboro melhor e mais eficazmente com os que estiveram ao meu lado em hora grave e me ajudam a governar — e que não necessitam, para vencer, senão de que o regime se fortifique e se apure o sistema vigente de garantias.

Não haverá nenhuma complacência com a corrupção, tome ela a forma que tomar. Estamos todos de acordo em reconhecer que os recursos ordinários ou extraordinários do Orçamento são indesviáveis e não poderão servir ao que possa sequer ser interpretado como manobra política. Nada se mantém de pé sem essa natural e simples observância de respeito às normas de toda administração que se respeita e quer ser respeitada.

Por mais ardente que seja o político partidário, por mais que pretenda vencer nos pleitos que disputa — é necessário que reconheça os limites à sua ação: esses limites são os exigidos pelo legítimo interesse público, que nos incumbe salvaguardar intransigentemente, em nossa própria defesa.

É até mesmo em favor das forças políticas que me apoiam que insisto em dizer: devemos ser rigorosos e vigilantes no que se refere à não intervenção do Governo no processamento eleitoral. Essas forças precisam somente de garantias constitucionais para alcançarem a vitória; e, mesmo que assim não fosse, não seria por práticas menos legítimas que deveriam alcançá-la.

As forças políticas lídimas e poderosas não necessitam ganhar eleições à custa de uma campanha que tenha por base o empreguismo ou a concessão de privilégios com a prioridade na liberação de verbas. Naturalmente, é justo que o preenchimento de cargos de confiança e dos claros na administração seja feito pelo Governo, de acordo com as forças que lhe dão estabilidade nas casas legislativas — ressalvado sempre o critério da competência e da honorabilidade — mas, daí a usar o empreguismo e a manipulação de verbas, como armas eleitorais — armas de corrupção e intimidação, decerto não o deseja ninguém, pois é ruinoso para todos.

Como regra de conduta e apoiado por todos os meus amigos e correligionários, mesmo os mais ardorosamente empenhados na luta que visa ao pleito de 3 de outubro próximo, quero esclarecer à nação que o Governo está disposto a dedicar-se a fundo à defesa da elevação dos nossos costumes políticos. Castigará a Administração pública, severamente, os seus agentes que faltarem com as suas obrigações e deveres. Não dará o Governo pretexto a agitações, explorações e propagandas escandalosas. Todas as denúncias de partidos políticos serão examinadas com a presteza necessária, para que a justiça seja feita e com o fim, muito compreensivo, de evitar campanhas lesivas ao bom nome do Brasil.

Não é só o Governo que lucrará com isso, mas, principalmente, os que, tornando-se vencedores, poderão desfrutar de uma vitória correta, limpa e indiscutível. Já que estamos, Governo e Partidos, convencidos de que este é o nosso dever e também o nosso interesse — não haverá razão ou pretexto para excessos polêmicos que, sob a alegação de injustiças ou desvio de recursos administrativos para fins eleitorais, objetivam demolição de tudo.

Todos os meus Ministros e todos os que dirigem os altos setores administrativos já estão absolutamente integrados nas linhas políticas que, neste momento, estou enunciando, e que se resumem no respeito ao adversário em tudo o que seja o seu legítimo direito.

Transgressões comprovadas, de caráter funcional — como sejam o desvio ou a aplicação de verbas de maneira indevida, para benefício de facções ou interesses de chefes eleitorais de qualquer colorido partidário — serão reprimidas com exemplar energia. O escrúpulo no emprego de verbas é condição primordial para a manutenção de funcionários nos postos de confiança. Não lhes valerá nenhuma proteção, nem alegação de interesse de caráter político.

Sei bem o que é a crueldade de certos métodos empregados de fazer política para não me precaver contra eles e não me colocar decisivamente na defesa dos legítimos interesses de todos os brasileiros que se julguem aptos a intervir na vida pública.

Recebi uma sugestão das duas Casas do Congresso, materializada numa emenda à Lei de Aposentadoria, que foi de minha obrigação vetar, pois assim o exigiam as prerrogativas do cargo que ocupo. Não podia eu, velando pela harmonia dos poderes, permitir que uma das faculdades constitucionais do Presidente da República lhe fosse retirada. Mas como acatamento à sugestão do Congresso, que, sem dúvida alguma, quer colaborar comigo num momento difícil, e também em virtude da necessidade de uma definição em termos mais firmes que os da simples manifestação de um desejo ou convicção — vou assinar, com o referendum dos meus Ministros, todos eles previamente consultados, um decreto que suspende quaisquer nomeações do Governo federal, salvo as previstas como estritamente indispensáveis ao funcionamento administrativo. Para que não haja discussão possível sobre a não intervenção do Governo no pleito sob um dos seus aspectos e para deter a onda de empreguismo que ameaça se alastrar, resolvi tomar a resolução de vedar no serviço público civil da União e dos Territórios, até 3 de outubro do corrente ano, nomeações ou admissões de qualquer natureza ou categoria, remuneradas à conta de verbas específicas ou globais. E igualmente proibidas quaisquer formas de contrato, acordo, ajuste ou convenção que importem a prestação de serviços técnicos ou administrativos por pessoas estranhas aos quadros e tabelas de pessoal.

Além dessa medida que o aludido decreto consubstancia, acabo de expedir novas recomendações sobre a liberação de verbas, para que não seja permitida modificação numa área em que só cabe o mais rigoroso e estreito interesse nacional. Os pedidos de liberação de verba só poderão ser atendidos quando guardarem estreita correlação com os trabalhos e realizações de importância inadiável e sempre que for conseguida a necessária compensação. Foi feito um plano de economia com o objetivo de dirimir o déficit orçamentário cujas consequências sobre a inflação são reconhecidamente catastróficas.

Não concordará o Governo com modificações que alterem os limites estabelecidos no referido plano. Para atingir este fim é que foi expedida a Circular n° 7/58 que reza na sua letra G o seguinte: “A toda e qualquer liberação eventual de recursos orçamentários corresponderá a equivalente contenção de despesa proposta pelo órgão interessado.”

Não vejo melhor meio de defender o sistema político que escolhemos do que tomar providências de caráter preventivo contra abusos presumivelmente verificáveis, os quais, na verdade, já tiveram lugar em vésperas de outras pugnas eleitorais. O desejo incontido de vencer nem sempre inspira bem os que disputam as preferências do voto. No caso presente, a defesa da democracia corresponde, de maneira particularmente estreita, à defesa do próprio país.

Não é possível esconder que atravessamos uma fase delicada. As dificuldades da conjuntura econômica mundial têm repercutido, de maneira cruel, sobre todos os países deste Hemisfério — e o Brasil, pela complexidade de aspectos dos seus problemas, tem sofrido o reflexo de uma crise que não poupou quase ninguém. Somos uma nação cuja infraestrutura não é ainda bastante resistente para suportar as obras que, nestas últimas décadas, as exigências incoercíveis do nosso próprio desenvolvimento nos forçaram a realizar. Num grande esforço que, bem sei, não poderá ser reconhecido em tempo exíguo, o meu Governo está ampliando e reforçando as fundações em que se apoia o Brasil. Não é oportuno tratar disto aqui, mas uma referência, pelo menos, se impõe à obra, ainda velada, que estamos levando a efeito, para que nos libertemos, de uma vez para sempre, das condições de país que vive da exportação de produtos não essenciais e capazes de sofrer a concorrência colonial.

Neste momento, como se não nos faltassem preocupações, mais uma e relevante se veio acrescentar, que é a do flagelo ocasionado pelas secas que assolam uma das regiões menos afortunadas do nosso território, região habitada por irmãos nossos, homens heroicos, curtidos pelo sofrimento e que uma longa intimidade com os reveses transformou em personagens silenciosos de um drama, cuja terrível realidade as palavras mais fortes, os qualificativos mais extremos não conseguem exagerar.

A nação não poderia ficar insensível a tão marcadas demonstrações de infelicidade na perseguição de brasileiros. Além do dever do Governo de enfrentar uma calamidade que se verifica mais uma vez, com excepcional brutalidade, na nossa própria terra, impunha-se, como obrigação de solidariedade humana, remediar o mal. E o mal está sendo delimitado com o máximo de esforço que nos é permitido. Já pedi um crédito extraordinário de dois bilhões de cruzeiros para fazer face ao presente e prevenir calamidades futuras. Um bilhão e quatrocentos milhões de cruzeiros de recursos orçamentários foram liberados para esse efeito. Espero em Deus não ser obrigado a explicar que esses recursos são sagrados, mais sagrados do que quaisquer outros, se me é permitido dizer.

Espero em Deus outrossim que não tenha razão no aviso de que não há interesse privado e ilegítimo de qualquer espécie que possa ou deva intervir no combate às consequências das secas e na aplicação dos seus rendimentos.

Peço a atenção de todos os que estão interessados em resolver e não em agravar os problemas do momento, a fim de que colaborem, usando corretamente do direito de crítica, para que o país atravesse, revigorado e incólume, as dificuldades atuais. Dirijo agora uma palavra aos que influem na formação da opinião pública, à imprensa escrita e falada, pedindo-lhes que ajudem a esclarecer o Governo e que não contribuam, como alguns o estão fazendo, para desencadear, ainda mais, as paixões que nos podem ser tão danosas. Aos que vivem da liberdade, aos que não poderão cumprir a sua missão sem o gozo de franquias, faço um apelo para que defendam a liberdade pelos efeitos da obediência à justiça.

Sei que não é fácil combater pela justiça — em meio às contradições do nosso próprio julgamento — mas sei que nada há que frutifique sem a semente da Justiça. Dos homens de imprensa, a cujas observações sempre fui extremamente atento, espero apenas que colaborem com o Brasil, exercendo a sua missão inspirados sempre e apenas no espírito de justiça.

Neste momento, o quadro internacional adverte-nos de que os perigos rondam a sociedade humana em toda parte. Não temos o privilégio de sofrer perturbações e dificuldades; ao contrário, em nosso país reina ordem e podemos agir no sentido do bem comum, da maneira mais pacífica e fecunda.

Esta paz presente, esta possibilidade de agir sem constrangimentos é que me incumbe, como Chefe de Estado, defender — e não só a mim como a todos vós — os meus colaboradores, os representantes das Forças Armadas e todos os brasileiros, meus correligionários ou não, desejosos de agir em favor da causa nacional.

Esteja a nação certa de que nada será poupado para a preservação da liberdade, do regime e do bom conceito que reclamamos para o nosso país.”

(*Texto extraído da mensagem do Presidente Juscelino Kubitschek, transmitida pela Voz do Brasil, sobre as eleições que ocorreriam em 3 outubro daquele ano. – Rio de Janeiro – DF, 9 de maio de 1958. Fonte: Coletânea de 3 livros intitulada Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento – Exemplos e Lições ao Brasil do Século XXI, de autoria de Carlos Alberto Teixeira de Oliveira.)

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