Desde 2015, a participação de estrangeiros nos títulos de dívida pública caiu de 20,8% para 9%. O movimento foi intensificado por conta da covid-19 e impõe mais dificuldades ao Tesouro, pois esse investidor busca em geral títulos de mais longo prazo, revelam dados do Banco Central e matéria divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de setembro último.

De acordo com a publicação, apenas entre janeiro e julho, a saída dos investidores estrangeiros de suas posições no Brasil ultrapassou US$ 30 bilhões (R$ 158 bilhões), segundo dados do Banco Central. Do total, um terço (US$ 10,8 bilhões, ou R$ 57 bilhões) saiu da renda fixa (onde estão os títulos do Tesouro). O restante deixou as aplicações em ações na B3, a bolsa paulista.

Embora estejam na quarta colocação entre os principais detentores de títulos da dívida, atrás de fundos de previdência, fundos de investimento e instituições financeiras, os estrangeiros geralmente têm certa preferência por títulos mais longos, desde que confiem na situação macroeconômica de um país. A saída significa, portanto, um sinal de que a visão de fora sobre o Brasil é, neste momento, de incerteza e risco. Recentemente, o Tesouro fez o maior leilão da história em quantidade de papéis de curto prazo. A dívida que vai vencer em 12 meses (prazo curto) deve fechar o ano no maior patamar do PIB desde 2005.

A perda do grau de investimento já havia tirado o Brasil das carteiras de vários fundos internacionais, mas as incertezas criadas pela covid-19 afastaram parte dos não residentes que ainda apostava nos papéis brasileiros. “A pandemia trouxe um comportamento no mercado de preferência por liquidez. O investidor quer o dinheiro na mão, e não um ativo que ele pode levar meses para se desfazer, ainda mais no mercado internacional”, diz o coordenador-geral de operações da Dívida Pública do governo, Luis Felipe Vital.

A saída dos estrangeiros pressiona a taxa que os investidores em geral têm cobrado do Tesouro para comprar os títulos que são vendidos para financiar a dívida – eles querem receber mais do que o governo está disposto a pagar. E o prazo dos títulos tem ficado menor. Hoje, está entre 2,5 a 2,8 anos. Há um ano, era de 4,06 anos.

A avaliação do Tesouro Nacional é que o fim da pandemia não garantirá o retorno imediato dos estrangeiros e que a volta depende da aprovação de reformas. Para o coordenador-geral de operações da Dívida Pública do governo, Luis Felipe Vital, pode até haver movimentos especulativos em determinados momentos, mas a volta dos investidores institucionais – que apostam no Brasil no longo prazo – depende da aprovação de mais reformas e de sinais claros de retomada da economia.

Na primeira quinzena de setembro o Tesouro Nacional realizou um mega leilão de títulos públicos, o que provocou um grande susto nos investidores com o tamanho daquela oferta, o que ocasionou, para que ele continuasse a financiar o governo, a exigência de taxas de juros bem mais elevadas. O receio é que, com tantas incertezas em relação à trajetória do elevado nível da dívida pública federal, o financiamento dessa dívida entre numa espiral sem volta, ocasionando juros sempre cada vez mais altos e prazos mais curtos.

De acordo com fontes do mercado financeiro, a oferta de LTN – Letras do Tesouro Nacional, considerado um título prefixado, foi a maior da história, com um lote de 43 milhões desses papéis – bem superior aos 30,5 milhões ocorridos na semana anterior. Já a oferta de outro papel prefixado, as NTN-F – Notas do Tesouro Nacional – Série F, quintuplicou, saltando de 300 mil anteriormente, para 1,5 milhão.

Cabe salientar que o aumento do gasto do governo federal para combater os impactos gerados pela pandemia do coronavírus, o déficit primário neste ano poderá superar R$ 800 bilhões e a dívida pública brasileira ultrapassar 95% do PIB. Com a ameaça ao teto de gastos e o receio de o endividamento sair do controle nos próximos anos, o Tesouro passou a pagar um prêmio de risco bem mais elevado.

A piora do cenário fiscal também está colaborando para o encurtamento da dívida pública brasileira. Na revisão do Plano Anual de Financiamento – PAF, o prazo médio da Dívida Pública Federal caiu da faixa de 3,9 a 4,1 anos para 3,5 a 3,8 anos, com expansão da parcela de títulos prefixados. A situação fica ainda mais grave quando se leva também em consideração as operações compromissados – títulos do Tesouro Nacional ofertados pelo Banco Central com o compromisso de recompra, com o objetivo de enxugar a liquidez no mercado. As referidas operações – cujo prazo médio ficou reduzido para menos de três meses, não entram nas estatísticas da dívida, mas seu volume cresceu de forma expressiva com os gastos do governo na pandemia que atingiram, em julho último, R$ 1,497 trilhão – equivalente a 21% do PIB-Produto Interno Bruto nacional.

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e colunista do Estadão, alerta que a estratégia do Tesouro Nacional de aumentar as emissões de títulos prefixados com prazos de vencimento menores tem fôlego curto e pode se transformar em uma armadilha se o governo não conseguir equilibrar as contas. Segundo ele, o problema fiscal brasileiro se materializa na inclinação da curva de juros de longo prazo e no excesso de volatilidade do real em relação a outras moedas emergentes.

“O Tesouro tem a obrigação de minimizar o custo da dívida, e por isso se vê obrigado a vender título curtos, que têm taxas de juros menores. Mas, se o órgão vender apenas papéis curtos, daqui a um ou dois anos vai precisar começar a rolar a dívida no dia a dia, como já aconteceu nos anos 1970”, diz. “O Tesouro pode ficar preso em uma armadilha extremamente difícil.”

Para Carlos Cawall, diretor da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, “os sinais do mercado da dívida pública são muito preocupantes” e, para ele, a dificuldade para vender as Letras Financeiras do Tesouro – LFTs (títulos pós-fixados corrigidos pela Selic e, por isso, de menor risco) é a primeira vez desde 2002 que o mercado pede mais prêmio para comprar esses papéis. Há 18 anos, o mercado vivia sob o estresse da crise envolvendo a marcação a mercado dos títulos públicos e as incertezas envolvendo as eleições daquele ano.

De acordo com matéria publicada no Valor Econômico de 19 de setembro último, “emitir LFTs não deveria ser complicado, ainda que à custa do encurtamento de prazos da dívida. Kawall vê risco de populismo à frente, com o temor de flexibilização do teto de gastos. Para ele, há uma “péssima sinalização do governo e do presidente”, num quadro de enfraquecimento de Paulo Guedes, ministro da Economia.

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