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por José Marcos Carvalho de Oliveira
 
O alarme no quartel de bombeiros começou a tocar insistentemente. Murag e seus companheiros escorregaram rapidamente pelo fino tubo que os conduziria ao veículo que atendia casos emergenciais. Ao contrário de combater, eles estavam surpreendentemente treinados para provocar um incêndio. Com a sirene fazendo um barulho ensurdecedor, os oito homens agarravam-se com força aos corrimões do veículo, enquanto este ia a toda velocidade pelas ruas da cidade. Ao chegarem ao destino, desceram nervosos, não obstante a casa estar num  subúrbio tranquilo. Entraram na residência e começaram a abrir gavetas, olhar debaixo dos sofás e a descerrar closets e portas de guarda roupas. Os moradores assistiam a tudo, impávidos, obedientes e calados. Os oito homens estavam à busca de livros, revistas e materiais escritos. À medida que os encontravam, eram empilhados no jardim. Dicionários, obras clássicas, livros grandes e pequenos, revistas variadas, coleções completas de autores universais, tudo era agrupado numa única pilha. O comandante daquela guarnição de oito homens assistia a tudo com um sorriso nos lábios. Diferentemente dele, Murag mantinha o semblante sério, e antes de jogar o material, lia os títulos. A casa fora toda vasculhada. Não restava nenhum livro ou coisa semelhante. À uma ordem do capitão, Murag vestiu uma roupa apropriada, retirou uma mangueira do caminhão e a dirigiu àquele monte de obras. Tudo iria ser incinerado a uma temperatura de 451 fahreneit, que corresponderia a 234 graus centígrados.
 
Esse é o conteúdo do filme britânico ‘Fahreneit 451’, do diretor francês François Truffault, baseado no livro homônimo de ficção científica, do autor Ray Bradbury.
 
E o filme continua a desenrolar a hipotética estória: em um país de governo totalitário, toda a produção literária é considerada improdutiva, tornando as pessoas infelizes. A produção de livros deve ser destruída e literalmente queimada, para não deixar vestígios. Porém, com o passar do tempo, o personagem principal, Murag, começa a se interessar pelos títulos do que viria a ser dizimado, como também a querer ler o seu conteúdo. Com o estímulo de uma moça que conhece no metrô, ele principia a esconder e a guardar em sua casa alguns dos volumes apreendidos. Numa de suas investidas a uma residência, onde morava uma anciã, ele se depara com uma cena que o deixa visivelmente abalado. Não querendo sair da sua moradia e tampouco informar onde estavam outros materiais de leitura, o comandante da guarnição autoriza que o fogo seja lançado na própria sala onde está a mulher. Como ela não sai de perto dos seus livros, revistas e jornais, ela é queimada viva, mas com uma dignidade tão grande que faz Murag se comover e analisar melhor sobre sua atividade como bombeiro. 
 
Num dia, em casa, sua esposa, ardorosa defensora do regime governamental, o surpreende vendo-o retirar um dos livros escondidos. Ela então o denuncia às autoridades. Considerado a partir daí inimigo número um, Murag é perseguido, e sai desesperado do lar, correndo sem rumo pelas ruas e avenidas da cidade. A TV a todo momento estampa seu rosto, seu corpo magro e seus cabelos louros, pedindo apoio à população para localizá-lo. Ele, no entanto, tem a ajuda da sua amiga do metrô, que o leva para uma região aparentemente desolada, onde ninguém iria descobri-lo. Como a polícia não o encontra, apesar da caçada contínua e diária, as autoridades, para ficarem numa situação confortável, mostram cenas na televisão de um homem sendo alvejado pelas costas, de cabelos louros, convencendo à população de que o inimigo número um havia sido devidamente excluído da sociedade. 
 
Murag verifica que nesse lugar remoto há uma comunidade de pessoas, todas convivendo pacificamente, preocupadas em falarem com elas mesmas em voz alta. Contudo, ao ser apresentado pelo líder, ele observa que elas não mencionam os seus respectivos nomes de batismo. Elas se apresentam de uma maneira distinta, como:
– Muito prazer, ‘A República’
– Olá, ‘A Divina Comédia’
– Oi, ‘A Bela Adormecida’
– Bom dia, ‘Times Magazine’
– Boa noite, ‘Bíblia’
 
O líder cientifica a Murag que os indivíduos que residem na comunidade se apresentam como se fosse livros ou material escrito, a fim de perpetuá-los. Assim, essas pessoas se dedicaram a decorar pelo menos um livro, um jornal, uma revista ou coleções inteiras de escritos da literatura mundial. Elas memorizavam os textos para publicá-los mais tarde, quando não mais fossem proibidos.
 
Murag se incorpora àquele universo diferente e promissor, e se conscientiza que, mesmo numa sociedade em que haja a tentativa de cerceamento de imprensa ou de liberdade de expressão, jamais a criatividade e o bem comum serão subjugados.
 
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