Do imigrante e do emigrante
Do imigrante e do emigrante
Do imigrante e do emigrante

Stefan Bogdan Barenboim Salej*

 

As cenas dos meus conterrâneos brasileiros sendo deportados dos Estados Unidos chegando a Belo Horizonte, no aeroporto Tancredo Neves, líder da redemocratização brasileira que incluia ampla campanha pelos direitos humanos, são chocantes. Mais, doem no coração. A mim, especialmente, porque quando tinha cinco anos de idade estávamos fugindo da Iugoslávia socialista e fomos presos, numa tentativa de passar a fronteira ilegalmente. Jamais posso esquecer depois o que passei a infância, na guerra com pai em campo de concentração e, em seguida, com ele toda noite sumindo porque tinha que se apresentar na polícia política para interrogatórios, como foi a nossa prisão. Separaram a minha mãe de minha irmã com um ano e pouco e eu. Choramos, choro que ficou na garganta até hoje. Minha mãe foi condenada a sete anos de prisão, minha irmã Ana e eu sumimos. Isso mesmo, até hoje não sabemos, não há registros onde estivemos por um ano, até sermos resgatados por parentes. Eu só me lembro que tinha sido obrigado a cantar canções socialistas e por inumeras vezes, provavelmente de castigo, dormia em casa com um cão pastor alemão, que me guardava latindo tempo todo. Meu pai, felizmente conseguiu fugir antes e veio para Brasil

 

Quando tinha dezesseis anos, minha irmã 12, viemos para Belo Horizonte onde estava meu pai.Viramos emigrantes com uma mala amarrada com barbante e muita vontade de viver. Virei imigrante. Carteira modelo 19, por muitos anos contei com muita solidariedade e ajuda. Dos conterrâneos e dos amigos mineiros e brasileiros. Mas, mesmo assim, jamais deixei de lutar para que o país onde nasci – a Eslovênia, se tornasse um país democrático e as pessoas pudessem escolher livre seu destino. Mas, no dia que isso lá aconteceu, eu estava todo sorridente numa reunião na Associação Comercial de Minas, entidade onde iniciei minhas atividades associativas, quando então o presidente Hiram me perguntou porque tanta alegria já que, em geral, eu era uma pessoa taciturna e considerada chata. Expliquei-lhe, e ele me disse, aproveite já que é assim e volte para sua terra.

 

Foi a única vez que nesta terra fui lembrado de ser imigrante. Por isso dói tanto ver as pessoas que de fato burlam a lei de outro país, voltam nas condições que estão voltando. Quando em 2008 fui Embaixador Enviado Especial da Eslovénia para América Latina e presidi as Relações do Conselho da União Europeia para América Latina é que tive de lidar com a brutalidade espanhola na rejeição de emigrantes brasileiros chegando no Aeroporto de Barajas. Aprontei um escândalo digno do meu nome dizendo aos espanhóis, entre outras coisa,s de que devem lembrar quantas vezes tiveram as portas abertas na história no Brasil. E consegui que fosse aprovada uma declaração da UE e América Latina sobre emigração que, até hoje, rege as relações no assunto entre as duas partes.

 

Hoje há mais de 4 milhões de brasileiros, 2% de nossa população que emigrou. Se de um lado condenamos a maneira que nossos irmãos são expulsos dos Estados Unidos, temos também de questionar porque as pessoas estão fugindo e arriscando a vida nas mãos de coyotes, que são bandidos de pior espécie, do Brasil. Em todos os anos que exercia funções nas entidades empresariais, nunca vi o governo de Minas combater as raizes desta emigração. Nunca nenhum governador de Minas sequer visitava as comunidades brasileiras no exterior. Iam a Washington para dançar com banqueiros e não eram capazes de ir a Boston visitar nossos valadarenses. O mesmo vale para prefeitos de Governador Valadares – cidade que vive de dinheiro vindo de emigrantes.Só um prefeito visitou a comunidade lá e, mesmo assim, com passagem paga pela Fiemg.

 

Não são os gringos que tratam mal nossos patricios. Somos nós mesmos, com honrosa exceção do Serviço Consular do Itamaraty, que é tratamento a posteriori e não chega às raízes e causas do fenômeno. Aliás, como Minas trata essa chaga da nossa sociedade, é significativo que o melhor trabalho acadêmico sobre emigrantes mineiros fosse feito em Santa Catarina e pelo que sei, até hoje, não existe um centro de estudos sobre emigração em Minas. E, neste capítulo, é interessante observar que tão zelosas forças policiais do estado não conseguem desmontar esses esquemas criminosos. E políticos protestam contra Estados Unidos, o que é certo, mas não fazem nada nem para diminuir a criminalidade nem para dar criar condições para que as pessoas tenham uma vida melhor e se ficam. Aliás, este governo liberal que temos no Estado parece até achar graça que as pessoas que estão sofrendo neste processo estão sendo castigadas tão cruelmente.

 

É uma tristeza ver estes voos e as pessoas sofrendo. Mas, mais triste ainda, é pensar que o país que me acolheu e acolheu tantas milhares de pessoas, quem não é de uma família cujas raizes não são de imigrantes, um país e um povo tão acolhedor, não consegue criar condições para a vida melhor dos seus cidadoes. Isso, sim, é que dá vontade de chorar.

 

*Empresário, ex-Presidente da FIEMG – Federação das Indústrias de Minas Gerais.

 

 

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