*Por Paulo Rabello de Castro

As últimas chuvas confirmaram o que sabemos desde sempre: as cidades brasileiras, em sua vasta maioria, estão despreparadas para as consequências de chuvas de verão. Simples assim: drenagem insuficiente, rios urbanos entupidos por detritos e esgotos irregulares, moradias penduradas nas fraldas dos barrancos, obras de governos inacabadas por pouca gestão e muito roubo. Mas tem jeito. Se o País está “comemorando” uma década inteira de retrocesso, o remédio para os quase 12 milhões de desempregados e quase outro tanto de desalentados seria um parrudo programa nacional de saneamento e drenagem. Falo de um programa nacional porque deve envolver os governos federal, estaduais e municipais, além das companhias de águas e esgotos de todo o País.

Calculo que, grosso modo, tal programa poderia alcançar, no pico de desembolsos, investimentos da ordem de R$ 60 bilhões anuais ou R$ 300 bilhões em cinco anos. O PIB agradeceria. Mais um ponto percentual por ano no investimento interno poderia impulsionar mais 0,5% de PIB. Parece modesto mas não é. Esse seria apenas o gatilho para uma retomada sustentável das atividades econômicas e do emprego. É preciso planejar fora da caixa. Mas sempre planejar. Isso não está acontecendo, por enquanto. Jogamos todos para o Não. Não dá pra fazer isso; não rola tentar aquilo; não há verbas nos cofres públicos. É a administração do Não. O presidente Bolsonaro, com a simplicidade e rompante que o caracterizam, lançou um repto aos governadores: se vocês zerarem o seu imposto (ICMS) sobre o combustível, eu daqui zero os tributos federais. Muita gente caiu em cima do presidente, inclusive eu. Por boas razões. Pensando dentro da caixa, dentro dos estritos termos da lei fiscal atual, não há espaço para cortar tributo algum. Os governadores logo rechaçaram o desafio do presidente.

Mas tem jeito sim. Pensando fora da caixa, melhor dizendo, fora da camisa de força das regras fiscais e financeiras atuais, a intuição de Bolsonaro pode passar a fazer sentido. Não é tarefa dele construir a saída fora da caixa. Mas cabe aos seus ministros criar e planejar. Como? Pensemos aqui nos elementos da equação. País crescendo pouco e precisando investir. Governos estaduais amargando dívidas pesadas e, para alguns (inclusive MG e RJ) quase impagáveis. A saída não é insistir em soluções convencionais, mas projetar avanço mais acelerado dos investimentos, começando pelo saneamento e drenagem, que sempre empregam milhões de trabalhadores.

Um programa bem coordenado de redução dos tributos sobre combustíveis poderia ser a chave de três turbinas de crescimento agindo ao mesmo tempo: reforma tributária pra valer (no Congresso, mas precisando de texto repaginado e melhorado) reforma administrativa (para viabilizar parte da economia em gastos correntes) e reforma financeira (repactuando os estoques de dívidas estaduais) com compromissos firmados dos governadores de fazerem duas coisas: reduzir em até 75% o seu ICMS de combustíveis (25% são dos municípios) e utilizar os recursos financeiros liberados pela redução de suas dívidas para fazerem os investimentos em saneamento e drenagem das cidades.

Em vez de projetar os magros 2% de crescimento da economia brasileira – se o coronavírus deixar – o País poderia largar em 2020 com 3% ou mais. Teria mais arrecadação e empregos.

O presidente pode não saber bem porque disse o que disse. Bolsonaro não pode ser medido na mesma régua de um JK. Mas tem a graça metafísica da boa intuição. Todos os mandatários bem intencionados costumam ser protegidos por essa aura intuitiva. Mas precisamos interpretar isso com generosidade e criatividade. O Brasil não tem impasses. Tem enroscos. Estão faltando os profissionais capazes de colocar soluções engenhosas de pé.

(*) Economista e contribui com planos de governo há várias décadas.

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