Crônicas Olavo Romano
Crônicas Olavo Romano
Crônicas – Olavo Romano

Olavo Romano*

Numa caminhada pelo bairro, encontro Gilson Barros Costa, que conheci, pouco mais que um menino, da década de 1950, e por quem mantenho velho afeto. Médico reumatologista e fisiatra, tem sido premiado no concurso anual do Minas Tênis Clube – Cabeça de Prata. Definindo-se como escritor amador e amante da poesia, nosso doutor tem três discos com letra e música de sua autoria.

Com a permissão do prezado Carlos Alberto Teixeira Oliveira e anuência dos eventuais leitores, cedo hoje meu espaço ao querido amigo, na alegria por nosso reencontro.

Um Médico no Grande Sertão

Gilson Barros Costa

O exercício da medicina na chamada roça mineira sempre foi um desafio. Longe dos recursos da cidade grande, muitas vezes sozinho em um lugarejo, via-se o médico diante dos mais variados problemas, casos difíceis, dependendo somente de sua competência.

A disponibilidade tinha de ser absoluta e em tempo integral, em plantão de 24 horas diárias por meses a fio. Contava, entretanto, com uma receptividade divinizante por parte dos cidadãos que viam nele o santo protetor para todas as horas. Ao lado do padre, era o esteio de vida para a população carente, ingênua, dócil e de inabalável fé em ambos.

Conto-lhes uma história interessante vivida por um jovem médico que se dispôs a enfrentar o sertão longínquo. Certa    manhã, atendeu no posto de saúde uma paciente muito pobre, analfabeta, com um quadro de insuficiência cardíaca congestiva. Era uma paciente típica daquele atendimento público no âmbito rural:  baixo nível sócio econômico e cultural.

O diagnóstico apontou para uma síndrome clássica de falência do coração, de causas múltiplas, cujas manifestações clínicas mais comuns são: dispneia, taquicardia, edema difuso mais visível e exuberante nos membros inferiores. A enorme retenção hídrica leva a uma acentuada diminuição das micções no dia a dia. No linguajar próprio a paciente queixou-se de fôlego curto, batedeira no peito, pernas inchadas e pouca urina, quase nada. O médico, entre várias outras recomendações, deu-lhe a medicação protocolar de cardiotônico e diurético com a qual, geralmente, reverte-se o quadro clínico regularizando o fluxo urinário com a resolução do edema. Quinze dias, ao vê-la, lépida e risonha, depreendeu uma melhora expressiva do seu sofrimento constatando, mesmo à distância, grande perda de peso pela reversão do edema generalizado que apresentava na primeira consulta. A face era de felicidade explícita. Muito humilde e deslumbrada diante da figura do deus-médico, manifestava maior satisfação em poder elogiar a competência dele do que pela própria melhora.

– Então, minha filha, está melhor? perguntou-lhe.

– Muito melhor, meu doutor. Abaixo de Deus, só o senhor mesmo!

– Melhorou o fôlego?

– Nossa mãe!  Já estou até tirando leite e lavando roupa.

– Quer dizer que o coração está menos agitado.

– Ah! doutor, ele quietou bastante.

– Desincharam-se as pernas?

– Muito doutor. Já estou com as canelas bem fininhas.

– Então agora a senhora está urinando com abundância.

O rosto da pobre mulher se transfigurou. Com a face contrafeita pela decepção que ia causar, ela respondeu laconicamente:

– Não senhor.

-Como? A senhora não está urinando com abundância?

– Não, não dou conta, doutor.

O médico ainda surpreso emendou:

– Mas não é possível, minha filha.

Ela, muito sem graça e corada de vergonha, completou:

-Doutor, nisso aí eu não melhorei nada. Continuo urinando com aquela outra coisa mesmo.

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