Olavo Romano
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Preparando o almoço, mãe e filha conversavam na cozinha. Dona Sinhá picava couve, a mão esquerda apertando o molho, a direita indo e vindo com a faca, movimentos rápidos, as tiras fininhas caindo na cuia. Dália fritava batatinha.

Dona Sinhá descansou a faca na cuia, apertou a mão direita um pouco acima dos quadris, envergou o corpo pra trás, e foi falando, meio fala, meio gemido:

– Ah, minha filha, não tô guentando mais essa dor nas cadeiras.

– Carece olhar. Vai ver, é rim. De novo.

– Dianta não. Com a idade, é tanta macacoa, no fim a gente vira um caco.

– Bobagem, mãe. Diz que na cidade, agora, tem um doutor danado de bom lá no Posto.

Viu falar? Quem sabe a senhora não experimenta.

– Tenho fé em doutor de Posto não. É uma pressa danada, atende a gente nas carreiras.

Quá, nunca dei certo com isso não.

– É, pagar doutor particular e ainda os remédios, quem é que dá conta?

Para animar a mãe, Dália lembrou:

– A senhora não vive falando que precisa visitar a Madrinha Cotinha? Aproveitava, era dois coelho numa pancada só. Aproveitava e via esse soluço que não dá sossego.

– Pensando bem, aí já valia mais a pena, né?

– Quando podia ser?

– Quem sabe, de hoje a oito. Senão passa muito, nem não vale mais a visita.

Uma semana depois as duas vão direto ao Posto. Esperam um pouco, chamam Dona Sinhá. Ela entra e nada de sair. Ansiosa, Dália custa aguentar a espera. Quando, afinal, a mãe aparece, ela diz, na maior aflição:

– Nossa Senhora, pensei que tivesse exalado lá de dentro!

Vendo a cara boa da velha, muda a pergunta:

– Então, gostou? Me conta, mãe!

– Superior esse doutorzinho – diz ela, puxando a ponta da orelha.

– Demorou pra danar, hein?

– É, ele faltou me virar do avesso. Queria saber de tudo, especulou até não poder mais: ondé qu’eu moro, quantos filhos eu tive, comida qu’eu gosto, que não gosto, pediu descrição de tudo quanto há lá em casa, no fim brincou que aparece um dia desses pra comer um franguinho com quiabo, perguntou se eu fazia pra ele. Precisava ver que doutorzinho mais ajeitado.

– Tá bom, mãe. Mas, e a consulta?

– Foi especial, minha filha. Não tô acabando de te contar?

– A senhora falou tudo com ele?

– Falei.

– Da dor nas cadeira?

– Falei, uai.

– Da zoeira na cabeça.

– Também.

– E ele?

– Uai, escutou na maior paciência, olhando a pra mim, abanando a cabeça.

– E aí?

– Tomou nota, não perdia uma palavra minha.

– Sei. Mas o que ele falou que era?

– Negócio de pressão, deu um remédio de amostra, acho que é esse aqui.

– E aquele repuxo no peito, respondendo na cacunda?

– Falei também.

– Lembrou do negócio das junta, ameaço de encarangar no frio?

– Diz que é reumatismo. Mandou diminuir o sal, cortar carne de porco, evitar comida reimosa.

– Tá bom. Agora, e o soluço?

– O soluço eu não falei não.

– Mas era o principal, o que mais incomoda a senhora! Esqueceu?

– Esqueci não.

– E o que que ele falou?

– Nada. Eu não perguntei.

– Não esqueceu, mas não perguntou? Me explica o que aconteceu.

– Esquenta não, Dália. Pra semana a gente vê.

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