Com falta de investimento em Educação e Ciência, Brasil perde talentos e cai em índice de competitividade
Com falta de investimento em Educação e Ciência, Brasil perde talentos e cai em índice de competitividade
Com falta de investimento em Educação e Ciência, Brasil perde talentos e cai em índice de competitividade

Pesquisas científicas e projetos inovadores podem ser cortado.

O corte contínuo de verbas em Ciência e Tecnologia, que vem acontecendo no Brasil nos últimos anos, não está afetando apenas as pesquisas científicas, mas pode levar a um fenômeno de difícil reversão: a fuga de cérebros, o que já pode ser visto em número. No ranking do Índice Global de Competitividade por Talento, o Brasil despencou 25 posições de 2019 para 2020: da posição 45 foi para a 70. Na lista das nações que mais atraem talentos, o país também caiu muito em quatro anos: perdeu 28 posições.

A emigração intelectual coincide com a redução do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que perdeu quase metade dos recursos de 2015 para 2016 e vem sofrendo mais cortes de 2019 para cá. Só em outubro, o Ministério da Economia decidiu cortar do Orçamento 90% dos recursos que seriam destinados a vários projetos científicos, inclusive a bolsas e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A verba destinada para a ciência, que era de R$690 milhões, vai ficar em apenas R$55,2 milhões.

As consequências para o país serão nefastas. Por aqui, a quase totalidade das pesquisas científicas e em inovação são feitas pelas universidades públicas, financiadas pela FAPESP, pelo Ministério da Educação e outras instituições, como a Finep. Élcio Abdalla, coordenador e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), é coordenador do Bingo, um radiotelescópio inédito no país, financiado pela Fapesp, pelo governo da Paraíba com colaboração chinesa, que corre o risco de ser interrompido com a queda de investimentos. Além disso, em sua sala de aula ele tem visto: a fuga de cérebros é um fenômeno que tende a crescer. Revertê-lo é mais difícil, diz.

Hoje no projeto há três colaboradores de altíssima competência, que estão saindo definitivamente do Brasil por falta de oportunidades aqui. “São alguns excelentes pesquisadores, alunos recém formados, que estão indo embora e não necessariamente porque queriam, mas porque são extremamente qualificados e aqui não são remunerados adequadamente em pesquisa, e, pior que isto, por vezes não encontram trabalho. China, Alemanha, Estados Unidos são alguns dos destinos deles e, pelas perspectivas que vemos desse governo, de cada vez maior desvalorização do conhecimento, a perspectiva de que esses cérebros podem retornar é baixa. Mesmo que voltemos a investir, serão anos para retomarmos os níveis atuais”.

Pandemia mostrou importância do investimento em ciência

A pandemia da Covid-19 e a consequente busca por vacinas deixou claro que os países com maior investimento saíram na frente – e devem continuar liderando o mundo:

“A produção científica, o investimento em pesquisa, retorna para a sociedade em quase todas as áreas. Desde inovações e descobertas que tornam bens de consumo melhores e mais acessíveis até a produção de medicamentos e vacinas, procedimentos médicos, obras de engenharia que melhoram a mobilidade urbana e desenvolvimento agropecuário que torna a produção de alimentos mais barata e de melhor qualidade. Investir em inovação e ciência é criar autonomia para o país. Percebemos isso agora, nas vacinas. Aqueles com capacidade de desenvolver e produzir saíram na frente. Isso não é uma simples coincidência, são as nações que mais valorizam a ciência”, explica Élcio. Não apenas isto, há também benefícios tecnológicos que revertem diretamente na economia do país, como já tem acontecido.

Os dados confirmam: os quatros países que mais investem em pesquisa estão na frente em inovação. Eles são Coreia do Sul e Alemanha, que investem quase 4% em pesquisa; e Japão e Estados Unidos, que repassam cerca de 3%. No Brasil, esse montante é um pouco maior que 1%. E vale lembrar: essas quatro nações têm PIB maior que o nosso. Ou seja, elas direcionam mais dinheiro não só percentualmente, mas também em números absolutos. Nos EUA, só para pesquisas envolvendo a Covid-19 foram destinados mais de 6 bilhões de dólares. No Brasil, apenas US $100 milhões.

As principais fontes desses recursos são justamente algumas instituições que podem ter corte de verba, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Igualmente importante é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação. Todos eles sofreram cortes significativos, essenciais, no Orçamento de 2021.

Projeto inédito e revolucionário pode sofrer

Um dos projetos que sofre com o corte de verbas e investimento é o coordenado por Abdalla, o Bingo. Trata-se de um radiotelescópio, financiado principalmente pela Fapesp e pelo Governo da Paraíba, inédito no país e que conta com pesquisadores do Brasil, da China, África do Sul, Reino Unido, Coréia do Sul, Portugal e França. O objetivo é explorar novas possibilidades na observação do universo a partir do céu brasileiro. O sertão da Paraíba, pela alta visibilidade e baixa poluição, foi o local escolhido. A FINEP, que contribuiria significativamente, não está colocando verbas no projeto, apesar de termos, na análise técnica, logrado aprovação do apoio pretendido por duas vezes, em 2018 e em 2021.

“A proposta do radiotelescópio BINGO é estudar a energia escura e também o fenômeno Fast Radio Bursts [“Rajadas Rápidas de Rádio”, em tradução livre], ainda pouco conhecido. Além disso, entender e conhecer o nosso céu pode trazer conhecimentos importantes e estratégicos sobre o que acontece em cima de nós, quais fenômenos, que tipo, por exemplo, de satélites, estão passando por aqui. É informação importante para toda a sociedade”, conta Élcio.

Há um extenso plano educacional que segue diretrizes internacionais, aprovado pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba. Há também um plano de divulgação muito importante. Isto tudo sem detalhar aqui as contribuições tecnológicas do projeto, já em andamento, assim como a formação de um conjunto de pesquisadores capazes de trazer conhecimento estatístico vital para a economia e que podem contribuir inclusive no sistema financeiro nacional, o que também já está acontecendo.

O BINGO contribuirá com a visão do Hemisfério Sul para um trabalho sobre o fenômeno que já vem sendo realizado por meio do Chime (Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment) no Hemisfério Norte. O chamado “setor escuro do Universo” estará no foco das descobertas. No sertão, longe da poluição eletromagnética, será possível saber mais sobre estruturas desconhecidas da galáxia, pulsares que ainda precisam de observação e perceber novos sinais do espaço.

O coordenador do projeto observa que “cerca de 95% do conteúdo energético do universo é completamente desconhecido, e o BINGO olhará para a distribuição detalhada da matéria conhecida para verificar os vínculos do setor escuro”. E mostrar para o cidadão comum como seus impostos beneficiam o país é um dos objetivos que Élcio tem com esse projeto:
“O assunto não é necessário apenas para a comunidade científica, mas para a população em geral. De fato, há um enorme projeto educacional conectado às pesquisas, é ciência e educação para todos. Não podemos simplesmente falar para doutores, temos que colocar as pessoas a par, já que são elas que pagam pela nossa pesquisa. O ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] do pãozinho vai para esse trabalho também. Então nós temos, até como obrigação, contribuir para um desenvolvimento real e mostrar ao cidadão que a ciência é importante, que a ciência muda o mundo – como de fato mudou nos últimos três séculos a face da civilização”, sintetiza Élcio Abdalla.

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