No Brasil, a grande manchete dos últimos dias tem sido a depreciação cambial num contexto de certa tranquilidade nos mercados internacionais de câmbio. A moeda brasileira está entre as divisas que mais se desvalorizaram neste mês de novembro.

Marca o início deste movimento a frustração com os leilões do pré-sal, induzindo uma correção do otimismo dos mercados – que aguardavam volumosas entradas de divisas, não apenas pelo leilão, mas pela melhora das perspectivas brasileiras depois da aprovação da reforma previdenciária. Enquanto a reforma avançava no Congresso, o risco-Brasil registrou recuo significativo em relação ao risco médio das economias emergentes; nas últimas semanas, esse otimismo arrefeceu, até pela demora no envio de mais reformas e pela percepção de que seu andamento será mais lento. Pari passu, o diferencial de risco se ajustou para uma expectativa mais cautelosa.

Essa expectativa mais cautelosa tem fundamento. O ambiente externo está bastante desafiador, apesar do arrefecimento recente de tensões associadas à disputa entre EUA e China. No ambiente interno, a reforma previdenciária não resolve todos os problemas fiscais e a recuperação da atividade econômica, embora em aceleração, mostra-se ainda bastante moderada.

Ademais, o ambiente político interno está longe de “pacificado”. Ao contrário, a libertação do ex-presidente Lula reforçou o risco de um aprofundamento da polarização política. Repercutiu negativamente, também, a entrevista recente do ministro da Economia: não apenas por suas colocações dispensáveis sobre um possível clamor por um AI-5 como, especialmente, sobre o câmbio. Ao afirmar não estar preocupado com a alta do dólar e que o brasileiro deveria se acostumar com o dólar mais alto por um bom tempo, deu uma senha para que os mercados testassem novos patamares de câmbio, como vimos ontem.

Por fim, a pressão recente sobre o câmbio doméstico também tem sido motivada pela percepção de que os fundamentos das contas externas não apenas estão piorando, como a situação é pior do que se conhecia. A revisão das contas externas divulgadas pelo Banco Central revelou que o déficit em conta corrente tem sido substancialmente maior do que apontavam as estatísticas preliminares; e que esse déficit vem aumentando. Já se sabia que o filme recente das contas externas vinha mostrando uma piora, mas adicionando-a a uma foto pior, o quadro formado ficou muito mais carregado.

Essa preocupação com as contas externas tem sido amplificada pela forte queda recente das exportações brasileiras, na esteira do esfriamento do comércio mundial, da forte recessão argentina, da onda de protestos em diversos parceiros comerciais, da queda dos preços do minério-de-ferro e da menor demanda chinesa por soja (em função da redução do seu rebanho de suínos devido à peste africana).

Assim, após um longo período de hibernação, as contas externas devem voltar a ser acompanhadas mais de perto. É que, apesar da confortável situação inflacionária, com os núcleos da inflação correndo abaixo do centro da meta e as expectativas inflacionárias bem-ancoradas, a alta do dólar tem gerado incômodo nos mercados. Pressões pontuais neste final de ano – como proteínas, finalmente refletindo a alta dos preços trazida pela mortandade de boa parte do rebanho suíno chinês e revisões das bandeiras de energia elétrica – contribuem também para este desconforto. A curva de juros tem ficado mais pressionada e as instituições de mercado começaram a revisar expectativas de que o ciclo de flexibilização monetária será estendido para o começo de 2020, como vimos na pesquisa Focus desta semana.

Podemos nos acostumar com o câmbio mais alto, então? Há motivos para crer que parte da pressão cambial recente tende a refluir, à medida em que se diluem fatores temporários a prejudicar as exportações – principalmente associados ao mercado de soja e às tensões sociais que têm contraído a demanda em nossos principais vizinhos. Ao mesmo tempo, a redução do fluxo para renda fixa, por conta do menor diferencial de juros, pode ser compensada por maiores ingressos direcionados a mercado de capitais e investimentos, na esteira da recuperação econômica. Assim, a pressão cambial tenderia a se acomodar, permitindo flexibilização adicional da política monetária no final deste ano e começo do ano que vem: projetamos redução da taxa básica Selic para 4,25% ao ano até fevereiro.

Ademais, mantemos expectativa de que a agenda de reformas econômicas avançará, ainda que lentamente, ao longo de 2020, amparando a gradual recuperação da confiança privada e favorecendo a aceleração da atividade econômica. É forçoso reconhecer, ainda assim, que cresceu a probabilidade de que o dólar e a Selic atravessem 2020 em níveis um pouco mais altos – e, especialmente, com mais volatilidade. Para além desse eventual ajuste em nosso cenário base, cabe alertar que parecem ter aumentado os riscos de um quadro frustrante no ano que vem, com uma elevação de incertezas políticas e sociais ameaçando o andamento da agenda econômica.

No relatório Focus desta semana, destaque para a elevação nas expectativas para o PIB de 2019 (mediana em 0,99%, era de 0,92% na última semana) e nas expectativas para o IPCA deste ano (em 3,46% era de 3,33% na última semana), estável em 3,60% para 2020. Foram alteradas também as projeções para a taxa Selic em 2020 (mediana das expectativas do mercado, que havia recuado na semana passada, subiu de 4,25% para 4,50%) estável em 4,50% para 2019. Foram observadas também alterações na perspectiva para a taxa de câmbio ao final de 2019 (em R$ 4,10/US$, era de R$ 4,00/US$ na última semana), na esteira do recente movimento de desvalorização cambial.

Na Zona do Euro, o índice preliminar de atividade (PMI composto) de novembro voltou a cair na margem, de 50,6 para 50,3, representando a quase estagnação da atividade na região, que segue desacelerando (em alguns setores já apresenta contração), com a contínua queda no segmento de manufaturas sendo propagada também para o setor de serviços. No segmento de serviços, os dados apresentaram considerável piora em relação ao mês anterior, de 52,2 para 51,5 pontos, decorrente da piora observada no setor na Alemanha (de 51,6 para 51,3) e estabilidade na França (em 52,9). No segmento de manufaturas, os dados seguem apontando para uma retração da atividade das empresas na região, ainda que em nível menos deteriorado que no último mês, em 46,6 (abaixo de 50 indica contração da atividade) ante 45,9, em função da manutenção do nível bastante baixo na Alemanha (em 43,8 pontos, indicando queda da atividade), apesar da melhora do indicador na França (de 51,6 para 50,7).

Pressão cambial começa a preocupar, mas deverá sofrer algum refluxo

Os mercados financeiros internacionais continuam reagindo positivamente a alguns sinais promissores no ambiente global, em particular ao noticiário sobre o iminente acordo comercial, ainda que parcial, entre EUA e China.

Continuamos a avaliar que os mercados internacionais podem estar subestimando os riscos globais; mas, por ora, o refluxo recente de incertezas poderá manter a aversão global ao risco relativamente contida.

Apesar do refluxo da aversão ao risco, a cotação cambial doméstica tem sido pressionada por diversos fatores – alguns temporários (como a queda das exportações de soja), outros nem tanto (como certa correção do otimismo dos mercados em relação à possibilidade de melhora do nosso rating soberano).

Apesar da confortável situação inflacionária, com os núcleos da inflação correndo abaixo do centro da meta e as expectativas inflacionárias bem-ancoradas, a alta do dólar tem gerado incômodo nos mercados.

A curva de juros tem ficado mais pressionada e as instituições de mercado começaram a revisar expectativas de que o ciclo de flexibilização monetária poderá ser estendido para o começo de 2020

Continuamos a avaliar que a pressão cambial tenderá a se acomodar, permitindo flexibilização adicional da política monetária. Ademais, mantemos expectativa de que em 2020 a agenda econômica irá avançar, ainda que lentamente, favorecendo a confiança e facilitando uma aceleração da atividade econômica.

Cresceu a chance de que, em breve, passemos a projetar, nesse nosso cenário base, dólar e Selic um pouco mais altos do que ora projetamos. E cabe alertar que aumentaram os riscos de um quadro frustrante no ano que vem, com elevação de incertezas políticas e sociais ameaçando o andamento da agenda econômica.

Ambiente global por ora tem ajudado manter a aversão ao risco relativamente contida

Os mercados financeiros internacionais continuam reagindo positivamente a alguns sinais promissores no ambiente global. O noticiário sobre o iminente acordo comercial, ainda que parcial, entre EUA e China tem sido majoritariamente interpretado como positivo: apesar de reconhecerem os riscos de frustração, os mercados continuam a confiar que algum acordo será alcançado para evitar uma escalada das tensões. Ao lado disso, têm aparecido evidências (ainda que incipientes) de estabilização do crescimento nas principais economias mundiais.

Assim, a expectativa que parece vir predominando é que o pior momento do quadro de elevada incerteza global parece ter ficado para trás (Gráfico 1); e que o abrupto esfriamento do comércio mundial observado nos últimos meses (Gráfico 2) dará lugar a um cenário de lenta recuperação do crescimento mundial, apoiada no reforço de estímulos monetários promovido pelos principais bancos centrais. Esse refluxo de tensões tem contribuído para conter a aversão global ao risco e para preservar a valorização de ativos, sobretudo acionários.

Como temos apontado em nossas publicações mais recentes, os mercados globais podem estar subestimando os riscos de recrudescimento da incerteza global. Isso, sobretudo, porque: (i) o iminente acordo entre EUA e China talvez não afaste os riscos de que novas tensões entre os países venham a aflorar no ano que vem, principalmente num contexto em que a disputa comercial e tecnológica deverá ser tema importante na corrida eleitoral norte-americana; (ii) a eficácia de novas iniciativas de estímulo monetário para reativar a economia mundial tem sido bastante questionada, sobretudo na Europa; e (iii) restrições orçamentárias limitam o espaço para que a maioria das principais economias mundiais promovam estímulos fiscais significativos (a relutante Alemanha sendo uma das raras exceções). Assim, nos parece prematuro contar com uma melhora rápida da atividade econômica mundial.

Por ora, o alívio observado nos mercados globais nas últimas semanas tem contribuído para limitar o aumento da aversão ao risco associado à rápida escalada recente de tensões políticas e sociais observada em diversos emergentes latino-americanos. Prova disso é que a taxa de risco de países como Chile e Colômbia, que estão às voltas com violentos protestos de rua e revisões significativas de expectativas econômicas, não têm sofrido piora marcante nas últimas semanas (Gráfico 3).

Brasil: alta do dólar, associada a vários fatores, começa a gerar algum incômodo

No Brasil, a alta da cotação do dólar, que ocorre num contexto de certa tranquilidade nos mercados internacionais de câmbio, tem chamado a atenção dos mercados domésticos. Com efeito, a moeda brasileira está entre as divisas que mais se desvalorizaram neste mês de novembro. Já apontamos, em relatórios recentes, os fatores que parecem por trás dessa depreciação cambial – o principal deles tendo sido a frustração com os leilões dos blocos exploratórios de petróleo e gás do pré-sal.

A frustração com esses leilões parece ter induzido uma correção do otimismo dos mercados em relação às perspectivas brasileiras depois da aprovação da reforma previdenciária. Vale notar que, enquanto a reforma avançava no Congresso, o risco-Brasil registrou recuo significativo em relação ao risco médio das economias emergentes, sugerindo que uma elevação de nosso rating soberano estaria a caminho. Nas últimas semanas, esse otimismo arrefeceu e o diferencial de risco se ajustou para uma expectativa mais cautelosa em relação à possibilidade de recebermos promoções de rating no curto prazo (Gráfico 4).

Essa expectativa mais cautelosa tem fundamento. O ambiente externo está bastante desafiador, apesar do arrefecimento recente de tensões associadas à disputa entre EUA e China. No ambiente interno, a reforma previdenciária não resolve todos os problemas fiscais e não foi a fagulha a despertar os “espíritos animais” do setor produtivo privado, que continua com a confiança debilitada.

Ademais, o ambiente político interno está longe de “pacificado”. Ao contrário, a libertação do ex-presidente Lula reforçou o risco de um aprofundamento da polarização política e despertou, no governo, declarações e ações mais autoritárias (como o envio ao Congresso de propostas de ampliação das operações de Garantia da Lei da Ordem).

Também repercutiu negativamente a entrevista recente do ministro da Economia. Entre as declarações polêmicas de Paulo Guedes, destaque para sua afirmação de que, diante do risco de que os protestos de países vizinhos cheguem ao Brasil, não deveríamos nos assustar “se alguém pedir o AI-5”. Ademais, Guedes afirmou não estar preocupado com a alta do dólar e que o brasileiro deveria se acostumar com o dólar mais alto por um bom tempo.

Por fim, a pressão recente sobre o câmbio doméstico também tem sido motivada pela percepção de que os fundamentos das contas externas podem estar piorando. A revisão das contas externas divulgadas pelo Banco Central nesta semana revelou que o nosso déficit em conta corrente tem sido substancialmente maior do que apontavam as estatísticas preliminares; e que esse déficit vem aumentando.

Essa percepção de que os fundamentos externos não são tão sólidos tem sido amplificado pela forte queda recente das exportações brasileiras (Gráfico 5), na esteira do esfriamento do comércio mundial, da forte recessão argentina, da onda de protestos em diversos parceiros comerciais, da queda dos preços do minério-de-ferro e da menor demanda chinesa por soja (em função da redução do seu rebanho de suínos devido à peste africana).

Apesar da confortável situação inflacionária, com os núcleos da inflação correndo abaixo do centro da meta e as expectativas inflacionárias bem-ancoradas, a alta do dólar tem gerado incômodo nos mercados. A curva de juros tem ficado mais pressionada e as instituições de mercado começaram a revisar expectativas de que o ciclo de flexibilização monetária será estendido para o começo de 2020.

Nossas projeções de câmbio e juros para o ano que vem por ora não sofreram alterações. Avaliamos que parte da pressão cambial recente tende a refluir, à medida em que se diluem fatores temporários a prejudicar as exportações – principalmente associados ao mercado de soja e às tensões sociais que têm contraído a demanda em nossos principais vizinhos. Assim, a pressão cambial tenderá a se acomodar, permitindo flexibilização adicional da política monetária no final deste ano e começo do ano que vem: projetamos redução da taxa básica Selic para 4,25% ao ano até fevereiro.

Ademais, mantemos expectativa de que a agenda de reformas econômicas avançará, ainda que lentamente, ao longo de 2020, amparando uma gradual recuperação da confiança privada e favorecendo uma aceleração da atividade econômica. É forçoso reconhecer, ainda assim, que cresceu a probabilidade de que o dólar e a Selic atravessem 2020 em níveis um pouco mais altos do que ora projetamos. E, para além desse eventual ajuste em nosso cenário base, cabe alertar que parecem ter aumentado os riscos de um quadro frustrante no ano que vem, com uma elevação de incertezas políticas e sociais ameaçando o andamento da agenda econômica.

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