“A captura do BC pelas indicações do mercado não é novidade. O atual presidente, Roberto Campos Neto, veio diretamente dos quadros do Santander. Seu antecessor, Ilan Goldfajn, era economista-chefe do Itaú. E alguns dos mais notórios ocupantes do cargo em governos anteriores tiveram a mesma origem, como Henrique Meirelles (Bank Boston) e Arminio Fraga (Soros Fund Management). Não é só origem, mas destino. Presidentes e diretores da instituição quase sempre voltam ao mercado passada sua estadia no BC. Goldfajn, por exemplo, tornou-se presidente do conselho do Credit Suisse pouco após deixar o cargo. É a chamada porta giratória. O que há de mal nisso? Bem, imaginem alguém, em qualquer área, com a função de fiscalizar seus ex-chefes e futuros chefes. Teria alguma isenção para contrariar interesses em nome do que é melhor para o país ou para o povo?
A autonomia do BC institucionaliza essa entrega do galinheiro na mão das raposas. O projeto aprovado, na prática, permite ao BC definir instrumentos da política monetária sem sintonia com as decisões macroeconômicas de governo, em particular nos dois primeiros anos do mandato presidencial. O comandante do BC terá mandato fixo de quatro anos, encerrando-se sempre no meio de mandato do presidente da República. Ou seja, um governo eleito pelo povo terá de conviver por dois anos com uma linha de condução do BC eventualmente contrária à sua política. Uma tutela da democracia pelos bancos. A alegação é blindar a instituição da “influência política”. Mas quem blinda o BC da influência do mercado? E, à maneira dos crimes perfeitos, a medida foi aprovada numa operação casada com o PL do Câmbio, que transfere poderes do CMN (Conselho Monetário Nacional) para o BC na autorização de contas em dólar no país. O economista Pedro Rossi alertou para o risco embutido de um caminho de dolarização da economia, que pode ser vantajosa para alguns investidores, mas devastador para a soberania nacional.”

Guilherme Boulos, publicado pela Folha de São Paulo, em 16.02.2021).

Nesse sentido, vale a pena resgatar algumas pérolas do pensamento do economista e ex-senador Roberto Campos, relacionadas ao tema em pauta:

1ª – “No Brasil, há leis que ‘pegam’ e leis ‘que não pegam’. A que criou o Banco Central não pegou. É que o Banco Central, criado independente, tornou-se depois subserviente. De austero xerife passou a devasso emissor.
Como ficou dito, em seu formato original, o BACEN podia se defender da fúria emissionista pela independência assegurada aos seus diretores através de mandatos fixos, que constituem aliás praxe internacional. Esse sonho institucional durou pouco. Dois meses antes da transmissão de poder, fui, como ministro do Planejamento, instruído por Castello Branco, para explicar ao presidente eleito Costa e Silva os capítulos econômicos da nova Constituição de 1967. Aproveitei para sugerir-lhe que pusesse termo aos boatos de substituição do presidente do Banco Central, pois a lei lhes dava mandato fixo, precisamente para garantir estabilidade e continuidade da política monetária.

  • O BACEN é o guardião da moeda – acrescentei.
  • O guardião da moeda sou eu – retrucou Costa e Silva”.

2ª – “Mas o Brasil é, sem dúvida, um caso teratológico. O BACEN, concebido originalmente como o guardião da estabilidade, adquiriu a rotatividade de uma casa de tolerância. Somente após a restauração democrática de 1985 a 1992 teve sete diferentes presidentes, à média de 12 meses por cabeça”.

3ª – “É fácil a harmonia entre os tesouros e bancos centrais quando os orçamentos fiscais são equilibrados ou superavitários. Nesse caso, o Banco Central pode ‘bancar o bonzinho’, baixando taxas de juros e deixando o crédito folgado. A situação inversa é mais provável no Brasil. O Banco Central tem que assumir a responsabilidade do arrocho monetário para neutralizar a esbórnia fiscal”.

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