As Medidas de Recuperação Fiscal do Novo Governo
As Medidas de Recuperação Fiscal do Novo Governo
As Medidas de Recuperação Fiscal do Novo Governo

Silvania Tognetti, David Damasio e Daniella Eng*

O Ministério da Fazenda anunciou no último dia 12 várias medidas para reduzir o déficit de receitas como as seguintes (i) uma nova modalidade de transação tributária para diminuir o contencioso administrativo federal via portaria conjunta da Procuradoria da Fazenda e Receita Federal; (ii) um aumento significativo do valor mínimo para acesso de recursos administrativos ao CARF pelos contribuintes; (iii) o restabelecimento do voto de qualidade em favor do fisco nos julgamentos do CARF com o propósito de revisão de posicionamentos já estabelecidos pró contribuintes; (iv) uma espécie de denúncia espontânea para créditos tributários, mesmo após iniciada a fiscalização, com data limite de 30 de abril de 2023; e (v) a exclusão do ICMS destacado nas notas de aquisição nos créditos  do PIS e da COFINS, aumentando o tributo para no regime não cumulativo.

Essas medidas têm o objetivo de ampliar a arrecadação tributária e reduzir o déficit fiscal previsto para o ano de 2023, além de baixar o estoque de processos administrativos no CARF que, em outubro de 2022, já somava mais de um trilhão de reais. Mas, será que atingirão esse objetivo?

Um dos destaques do pacote apresentado pelo atual Ministro, Fernando Haddad, é o Programa “Litígio Zero”, que permite a renegociação de dívidas tributárias – nova modalidade de transação tributária federal – em contencioso administrativo fiscal com recurso pendente de julgamento no âmbito de DRJ, CARF ou de pequeno valor, no contencioso administrativo ou inscrito em dívida ativa. A adesão será entre os dias 1º de fevereiro até 31 de março de 2023.

Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas o Programa alcança débitos tributários de até 60 salários-mínimos, com descontos de 40% a 50% sobre o valor total do débito, para pagamento em até 8 ou 2 meses, respectivamente, independentemente da classificação da dívida ou da capacidade de pagamento do contribuinte.

Por sua vez, para as empresas cujos débitos sejam superiores a 60 salários-mínimos e com recurso pendente de julgamento nos âmbitos de DRJ ou CARF, serão concedidos descontos de até 100% sobre o valor de juros e multas de débitos irrecuperáveis e de difícil recuperação, limitado a 65% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação – se pagos em até duas parcelas– ou a 50%, se pagos em até oito parcelas mensais.

Se os débitos forem classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, o contribuinte deverá pagar em dinheiro, no mínimo 30% do saldo devedor, em até nove prestações mensais, sendo o restante (70%) com uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL apurados até 31 de dezembro de 2021. Já, se os débitos forem classificados com alta ou média perspectiva de recuperação, o pagamento será de, no mínimo, 48% do valor consolidado dos créditos transacionados, em nove prestações mensais e o restante (52%) com uso dos créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.

Em ambas modalidades, a transação está condicionada ao pagamento de entrada correspondente a 4% do valor consolidado dos débitos transacionados que poderão ser pagos em até quatro prestações mensais.

Essa nova transação possui benefícios semelhantes aos últimos modelos de transação adotados pela Receita Federal, tais como a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL e de créditos tributários decorrentes de decisões transitadas em julgado para quitação ou amortização do saldo devedor da transação, a crise que vivemos deixou as empresas sem caixa disponível para pagamentos de valores relevantes à vista ou em prazo curto. Ao que parece, as modalidades atuais de transação permanecerão mais atraentes.

Outra medida benéfica e interessante prevista nesse programa é a ampliação do instituto da denúncia espontânea, instituída pela Medida Provisória nº 1.160, de 12 de janeiro de 2023, em que prevê o desconto de 100% das multas de ofício e moratória, ainda que a fiscalização já tenha se iniciado – até a data em que referida Medida entrou em vigor (ontem, dia 12/01) – e desde que seja antes da constituição do crédito tributário. A extensão desse desconto de 100% nas denúncias espontâneas de casos com fiscalização aberta será admitida apenas até 30 de abril de 2023.

Embora a nova transação excepcional e a ampliação dos benefícios da denúncia espontânea sejam soluções também benéficas aos contribuintes, o Programa “Litígio Zero” também traz medidas contrárias aos interesses dos contribuintes.

Na busca da redução do tempo do processo administrativo com a diminuição dos recursos dirigidos ao CARF, o Ministério limitará o acesso dos Recursos de Ofício (da Fazenda) e dos recursos voluntários (dos contribuintes) de menor valor. Não caberá recurso de ofício em processos com valores abaixo de 15 milhões de reais. Também não caberá o recurso ao CARF pelos contribuintes nos processos cujo valor envolvido seja inferior a mil salários-mínimos, que serão julgados apenas pelas Delegacias e, portanto, revistos apenas por fiscais e não por um órgão paritário como é o CARF onde participam fiscais e representantes dos contribuintes.

Além disso, o pacote de medidas prevê o retorno do voto de qualidade do Fisco no CARF. Com o restabelecimento do voto de qualidade, os julgamentos do CARF que tiverem empate, o desempate será realizado por um conselheiro representante da Fazenda Nacional. De acordo com o Ministério, a extinção desse instituto em abril de 2020, com a adoção do critério de desempate pró-contribuinte, gerou considerável perda arrecadatória aos cofres públicos.

A nosso ver, a limitação de discussões ao CARF e o retorno do voto de qualidade são medidas paliativas e que vão na contramão da redução de litígios a que se propõem essas medidas. Ora, embora essas restrições diminuam os processos parados no CARF aumentarão o volume de processos no judiciário, o que gera muito mais custo para a sociedade com o custo do judiciário, garantias e despesas para os contribuintes. Enfim, essas medidas apenas mudam o litígio de lugar, mas não resolvem o problema.

Ao impossibilitar o acesso de discussão ao CARF e ao restabelecer o voto de qualidade por conselheiros da Fazenda Nacional, o Ministério da Fazenda não assegura o aumento de arrecadação aos cofres públicas, apenas aumenta a judicialização dessas controvérsias.

Ao reforçar o caráter arrecadatório do CARF, com a afirmação de que na dúvida sobre a legalidade da cobrança em um empate no julgamento, opta-se por continuar exigindo o tributo, dá-se peso diferente aos votos dos representantes dos contribuintes e representantes da Fazenda, afetando a paridade esperada do órgão. Soma-se a isto, a fragilidade e incerteza das decisões administrativas, que poderá decorrer da intenção do Ministro de possibilitar à Fazenda Nacional acesso ao Judiciário para rever os casos em que os contribuintes obtiveram êxito na discussão administrativa, em especial nos casos de tese reconhecida pelo Judiciário.

Por fim, a exclusão do ICMS dos créditos de PIS e COFINS na apuração não cumulativa quando da aquisição de mercadorias traz novamente a realidade brasileira: pressiona-se o judiciário para decidir a favor da fazenda, como ocorreu neste caso por mais de uma década, mas se perder, não tem problema, aumenta a arrecadação que resolve. Aqui haverá aumento dessas contribuições e se abrirão as portas para mais contencioso judicial porque a legislação prevê que os créditos serão calculados sobre o valor dos bens adquiridos.

Portanto, o nosso entendimento é de que o pacote de medidas de recuperação fiscal apesar de trazer alguns benefícios aos contribuintes opta por medidas arrecadatórias às custas de insegurança jurídica e aumento do contencioso judicial. Podem trazer alívio imediato no caixa do governo, mas não são soluções que resolverão de forma consistente e permanente o déficit fiscal.

*Sócios do Tognetti Advocacia

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