*Por: José Ribeiro

O final da segunda década do século XXI chegou, e os desafios da mobilidade em Belo Horizonte seguem os mesmos do século passado. A cidade ganhou a posição de pior trânsito do Brasil, medido em horas perdidas em congestionamentos. Os dados são da empresa americana Inrix e foram publicados em 12 de fevereiro deste ano. São 202 horas perdidas em congestionamentos que se multiplicam não mais apenas nos horários de pico, mas a qualquer hora do dia e por toda a cidade.

BH tem também, não por acaso, a maior taxa de motorização per capta do Brasil. Isso significa que o belo-horizontino fez uma opção pelo transporte individual, ainda que as autoridades sigam ignorando o fato. Decisão que tem consequência, evidentemente e elas são graves. Deslocar pela cidade fica cada vez mais difícil, pois as vias não crescem na mesma proporção que a frota de veículos. A cidade tem 2,6 milhões de habitantes e 2,2 milhões de veículos. Em 2023 se a frota continuar crescendo na proporção de 7,2% como vem ocorrendo até aqui, o numero de carros será maior do que a população, transformando a cidade em uma das mais motorizadas do mundo.

O governo Alexandre Kalil herdou um passivo de obras de 40 anos, prometeu em campanha não fazer intervenções na infraestrutura da cidade e está cumprindo o que prometeu. Mas será este o caminho para a solução do problema? Mais do que isso, ele segue apostando no mesmo time que cuida do tema há 35 anos. Tanto na BHTrans como na SUDECAP, o quadro é o mesmo há três décadas. Filhos de uma escola que prega a tese de que obras não resolvem as questões centrais da mobilidade, e que o correto é andar de bicicleta, BRT (MOVE) ou a pé.

O leitor pode achar que se trata de uma ironia, mas não, o plano que a PBH tem para cidade concentra esforço em tirar carro de circulação, a qualquer preço, mesmo a população dizendo que é de carro que ela gosta. O paradigma de que obras empurram o problema de um cruzamento para o outro tem ainda a soma dos projetos MOB Centro e Zona 30. Ambos tentando de forma velada desestimular o uso do transporte individual por automóveis. A tese é simples: Dificultando a circulação através de afunilamento de vias, a população vai mudar seus hábitos e vai usar bicicleta ou BRT. Acredite se puder.

Estreitamento de pistas, alargamento de passeios, fechamento de quarteirões, elevação de travessia de pedestres em corredores, contenção de tráfego com sinais em onda vermelha, construção de ciclovias em calhas estreitas, limitação de velocidade em determinadas regiões da cidade com velocidade máxima de 30km h, este é o arsenal que a BHTrans e a Sudecap está usando para debelar a crise que se agrava a passos largos. O problema é que os teóricos do modelo não combinaram com os “russos”, (a população de BH) que segue dizendo em na prática que é de carro que ela escolheu e tem o direito de usar.

Aliado a isso a indústria automobilística e as políticas de incentivo ao crédito para aquisição de veículos ganham força com a inflação e juros controlados. Ou seja, o governo federal incentiva à compra de carros, e o governo municipal cria barreiras físicas para a população não usar o carro. Essa contradição se reflete no caos diário que aumenta saltando aos olhos de qualquer cidadão. A cidade não possui uma única via sem interrupção de tráfego, exceto o Anel Rodoviário e sua estrutura defasada. O Anel é de fato uma via expressa e de direito uma rodovia federal, cuja função se mistura a de uma avenida. Não é por acaso a ocorrência de tantas tragédias sempre nos mesmos lugares que antecedem os estrangulamentos de pista. Trafego local misturado com caminhões que atravessam a cidade com destinos variados.

Com efeito, os desafios seguem aumentando, são mais de 200 gargalos que esperam pela engenharia e por obras de arte: túneis, viadutos, trincheiras, elevados, passarelas e abertura de vias capazes de dar fluidez ao trânsito. O assunto também virou problema de saúde pública, pois em cidade onde o trânsito não anda, perdem ricos e perdem mais ainda os pobres. O primeiro perde tempo que poderia ser canalizado para produção ou para o lazer, já o segundo perde tempo de descanso e ainda corre riscos com a saúde em ônibus fechados cujo ambiente é propicio para proliferação de doenças respiratórias, além é claro do desconforto.

Portanto, se o leitor prestar atenção na propaganda oficial, vai perceber que o discurso não combina com a realidade: “Guarda municipal dentro de ônibus para garantir segurança; 200 km de asfalto novo; diminuição no índice de mortes por atropelamentos; e “respeito” ao cidadão, são todos itens importantíssimos, mas de longe representam as demandas que a cidade precisa encarar para melhorar a mobilidade. Os desafios são maiores e urgentes.

BH precisa de um pacote de obras focado nos pontos onde o trânsito não flui. Necessita de um plano de gestão dos corredores e dos principais cruzamentos com intervenção humana (gestão pró-ativa). A cidade tem rotas alternativas por dentro dos bairros que se bem sinalizadas, asfaltadas, conhecidas da população, podem tirar veículos dos grandes corredores promovendo maior fluidez do tráfego.

O incentivo à carona solidária para estudantes é outra ação que não depende de dinheiro, e pode tirar carros das ruas nos horários que os engarrafamentos ocorrem, manhã, meio do dia e final da tarde. A experiência de ônibus como único modal de transporte vem demonstrando que não é eficaz. Quem faz a opção pelo carro ou pela motocicleta não usa ônibus, mas pode vir a utiliza VLT, monotrilho e até teleférico, pois a topografia da cidade é propícia para todos estes modais, que são muito mais baratos e viáveis do que o metrô.

Existem opções capazes de melhorar a mobilidade, mas são ações que dependem da quebra de paradigma por parte de quem tem a caneta e a missão de apresentar soluções. Porém são todos eles resistentes a mudanças. Dificultar a vida de quem tem carro não é o caminho para a solução do problema. Ouvir a população e o que ela deseja talvez ajude nas decisões estratégicas que levarão a solução do problema, e este é o desafio que o prefeito precisa encarar para que a mobilidade deixe de ser o calcanhar de Aquiles da sua administração. Que 2020 seja um ano de quebra de paradigmas em Belo Horizonte.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da publicação.

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