Paulo Rabello de Castro*

Vem aí o esperado relatório da Comissão Mista do Congresso Nacional (CN) sobre a reforma tributária do consumo, a cargo do diligente deputado Aguinaldo Ribeiro. Enquanto aguardamos, receamos pelo pior. A sociedade brasileira, no conjunto, age como Chapeuzinho Vermelho, do clássico conto infantil. Ela espera a visitar vovó acamada e doente. Mas quem a espera é o Lobo Mau. Pronto para devorá-la. A ingenuidade da Chapeuzinho é parecida com a expectativa da nossa distraída sociedade, cuja massa nem sabe do que se trata essa tal reforma e cuja rarefeita elite, mais culpada, prefere acreditar que o sistema atual é tão ruim que não possa piorar. Pode sim, e a tendência é nessa direção.

O sistema tributário atual é considerado um manicômio. Como todo hospício, tem uma ordem geral e a insanidade é organizada e estratificada. Um hospício em descontrole seria bem pior. E quais as regras do hospício? Os tributos foram definidos em abundância e são complexos. Então os políticos arbitram quem poderá usufruir de brechas e privilégios. Daí o “equilíbrio” dentro do manicômio. Os grupos de interesse mais expressivos estão atendidos. Uns têm o Simples (evitam assim o Complicado). Outros auferem benefícios fiscais ou descontos especiais, quando não isenções e imunidades diversas. Daí já podemos concluir por onde começar uma verdadeira reforma: É URGENTE SIMPLIFICAR.  Por isso, o fato de aglutinar vários tributos num só é apenas a primeira etapa de uma boa reforma, como se fez no mecanismo do Simples. Assim se apresenta a PEC 45, que é o carro-chefe da reforma dos tributos do consumo (27+ ICMS, 5570 ISS, o famigerado IPI, PIS e Cofins). A PEC 45 promete substituir esse hospício de tributos por uma alíquota ÚNICA, de cerca de 25%, no chamado IBS, que abrangeria as citadas quase 6 mil alíquotas atuais. Bravo! Mas seria uma promessa da vovozinha ou do lobo mau? Chapeuzinho suspira e se auto-ilude.

Se o relatório da Comissão reproduzir a proposta 45 vamos ter lobo mau comendo Chapeuzinho. A PEC 45 não simplificará: o IBS se somará POR DEZ ANOS aos atuais tributos criando, além disso, alíquotas diferentes de IBS para cada Estado e para cada um dos 5570 Municípios. O conto da alíquota única é mentira de lobo mau. Leiam o texto que está lá. O lobo, de touca, se disfarça de vovó. O manicômio atual terá dois novos pacientes: IBS e IS. Multiplicados por 5570. Com todos os demais tributos mantidos como estão. Isso não faz o mínimo sentido. Mas os proponentes da 45 se afirmam incapazes de implantar a entrada do IBS com a concomitante eliminação dos outros tributos. Isso acontece porque a PEC 45 não conseguiu desenvolver um mecanismo que automatize as entradas de receitas fiscais e sua repartição aos entes federativos (União, estados e municípios, incluindo os Fundos Constitucionais). E por não resolver – por antecedência – a grave questão da repartição do bolo, a PEC 45, se aprovada, iria gerar uma guerra política (e talvez civil) sem precedentes. Um caos para o restante da já conflituosa gestão Bolsonaro. O lobo mau iria devorar a presidência também.

Conclusão simples: ANTES de aprovar qualquer reforma é preciso fazer as contas que a PEC 45 não fez sobre seus efeitos distributivos e que os congressistas, como um todo, desconhecem. Todos serão devorados pelo lobo mau. O relator fala de urgência em aprovar uma reforma: quer ser o primeiro a ser devorado, pois ele não detém as contas do que há de propor. Para além disso, o mecanismo de repartição não existe nem está programado. É um avião de modelo novo que voará sem teste prévio nem plano de voo. Com a sociedade brasileira dentro.

O Atlântico, instituto de ação cidadã, procurou colaborar. Desenvolveu um mecanismo, o Operador Nacional de Distribuição de Arrecadação (ONDA) que automatiza a Nota Fiscal eletrônica e a coloca numa nuvem capturada diariamente e cujas receitas arrecadadas são DE IMEDIATO repartidas conforme uma matriz que respeita as participações fiscais precedentes dos entes federativos, assim desfazendo a ameaça da guerra iminente entre estados e municípios. Com um ONDA, entraria o Brasil no século 21 da era digital tributária, a partir da qual a complexidade do sistema atual seria neutralizada.

O Atlântico reuniu quase 300 mil assinaturas em apoio à proposta de simplificação do ONDA, aliás bem semelhante ao sistema recém implantado na Rússia com sucesso. Aqui, os donos do debate não respeitaram a representatividade de quem fala por 300 mil. Em reuniões virtuais pelo celular, vão empurrando Chapeuzinho para a beira da cama onde a falsa vovó a aguarda. O Brasil, sociedade desatenta e improvisadora no pior sentido da palavra, corre grande risco ao atropelar, sem dados nem ponderada reflexão, um tema da maior grandeza para o futuro do País. O governo federal, que deveria estar conduzindo e liderando esse debate, se esquivou de qualquer protagonismo ao enviar um pífio PL 3887 que não reforma nada. Seria pura temeridade do CN aprovar agora um relatório da Comissão sem testes da eficiência da proposta 45.

Está na hora de Jair Bolsonaro cumprir promessa de campanha, usando um tiro de caçador para liquidar de vez esse lobo mau. Chapeuzinho, indefesa, agradece.

(*) Paulo Rabello é economista e escritor. Conduziu os estudos de reforma tributária do Atlântico e do Movimento Brasil Eficiente

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