*Por José Pastore

Ao se aproximar a aprovação da nova Previdência Social, o Brasil precisa se preparar para garantir proteções aos que trabalham fora da relação de emprego.

Durante muito tempo o emprego convencional, subordinado, com habitualidade, assalariado, por prazo indeterminado e em tempo integral, será o predominante. Mas, ao lado dele, cresce o trabalho atípico, flexível, casual, independente, autônomo, por projeto, em plataformas digitais e outras – que se afastam do vínculo empregatício.

Na Europa e nos Estados Unidos, 1/4 das pessoas trabalha dessa maneira. A tendência é de um crescimento acelerado. Na Inglaterra, entre 2016 e 2018, a incidência do trabalho independente dobrou. No Brasil, já são mais de 20%. Como proteger esse tipo de trabalho? Afinal, o trabalhador independente também adoece, acidenta-se, envelhece e morre. E o sistema de Previdência Social precisa arrecadar receita para poder proteger essas pessoas.

Uma das características dos trabalhadores independentes é o constante ziguezague ao longo da vida. Com frequência, eles passam do emprego para a independência e vice-versa. Há profissionais que são empregados nos horários regulares e freelancers no tempo livre. Para esse tipo de trabalho, as proteções precisam acompanhar as pessoas e não os empregos. Portabilidade e customização são conceitos-chave.

Nos países avançados, a aposentadoria dos autônomos baseia-se em contribuições individuais aos planos de previdência social e de seguros. Em certos casos, a contribuição é obrigatória; em outros, é voluntária.

Quando as contribuições ficam inteiramente por conta dos profissionais, as alíquotas são muito altas. Só para aposentadoria, os autônomos da Europa pagam, em média, 18,8% dos seus rendimentos. Na República Checa, são 28%; na França, 23%; na Áustria, 22,8%; na Grécia, 20%; na Bélgica, 19,6%; na Alemanha, 19,5%. Nos Estados Unidos, 15,3%.

Alíquotas exageradas provocam pouca adesão. Isso tem levado muitos países a adotar o compartilhamento entre prestadores e tomadores dos serviços e também governo. A Alemanha tem um modelo interessante. Os autônomos só podem trabalhar por conta própria em profissões certificadas (cerca de 300). No caso dos artistas, por exemplo, eles contribuem com 10% de sua receita; os promotores dos espetáculos, com 6%; e o governo, com 4%.

Há países que têm programas integrados de aposentadoria, planos de saúde, seguros de acidentes, proteção contra a desocupação e licenças-maternidade e paternidade, com frequência, com a referida coparticipação. A proteção do trabalho independente é crucial, não apenas para os próprios trabalhadores, mas também para a Previdência Social, que nos dias atuais depende quase que inteiramente das contribuições de empregados e empregadores – categorias em declínio.

No Brasil, as proteções para o trabalho independente caem nos campos da assistência social e da Previdência Social. No primeiro, tem destaque a proteção garantida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Programa Bolsa Família e pelo Benefício de Prestação Continuada.

No campo previdenciário, há quatro programas para proteger o trabalho fora do emprego: 1) o que é garantido pelo INSS mediante recolhimento da contribuição previdenciária pelo tomador dos serviços e por meio de Recibo de Profissional Autônomo (RPA); 2) o Programa do Microempreendedor Individual (MEI); 3) a modalidade de contribuinte voluntário; e 4) a do contribuinte facultativo. Todos com aplicação e sustentação limitadas. Uma avaliação será objeto de um próximo artigo.

*Professor da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras. Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio.

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