Jayme Vita Roso

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“Mineiridade é uma coisa que mineiro só descobre quando deixa Minas”

(Carlos Alberto Teixeira de Oliveira)

Minas Gerais não encerrou as cortinas, nesses dias de amargura, muito porque, e ademais, a sua ligeirice particularíssima com o setor típico dos Sertões que Afonso Arinos de Melo Franco cantou em prosa, com uma mágica e singular habilidade. E o fez sem metonímias.

O amor que dedico a Drummond afasta-se de sua métrica, sem mexericos; não escamoteia a recusar à sua perturbadora visão do mundo, calcada em um ressentido pessimismo, é um amor inspirado e construído no culto do milenar provérbio judaico: “Os casamentos são escritos no céu”!

E nesta viagem maravilhosa, embarco, despindo-me do ceticismo do seu pensar, para, apenas, mas apenas, debruçar-me no que o fazia de presente a Minas e a Brumadinho, sem respigos (sim), como Euclides da Cunham, esclarecendo o verbo, fulminou “somos uma cultura de empréstimos que respiga que existe na cultura de outras nações”. Ele, Drummond, sem mechas, porque o autêntico mineiro não se deixa identificar pela faixa de cabelo que destaca do resto pela cor: é a alma. E, Gervásio Horta, sem rima, cantou: “Sou verso de canções, inverno da razão; sou louco de tudo um pouco: alegre e triste; pobre e rico; gordo e magro; feio e belo; cego e lúcido; ingênuo, displicente; novo e mesmo; chegada e partida”, pois este sentimento se encerra no canto: “Uma cidade que adormece tão feliz, e que desperta em ambiente de prazer, de um povo grande que trabalha e que não diz, faz silêncio a seu modo de viver” (Manhãs de Belo Horizonte).

Faz silêncio a seu modo de viver…

Não elaboro um adesivo da vestida poética de Drummond; apego-me ao trabalho de José Miguel Wisnik sobre Drummond (WISKIK, J. M. Maquinação do mundo: Drummond e a Mineração. São Paulo: Companhia das Letras, 2018) e me delimito a tentar uma hermenêutica do fenômeno Drummond e o Pico da Itabira, como homem, como mineiro que afogou-se na amargura e no sentimento da perda da paisagem: tudo à minha maneira, como no bolero de María Martha, cantora argentina.

As fotos, que se acham encaixadas, sem paginação, entre as páginas 112 e 113, são quase vinte.

Não deixa o leitor acostumado ao mundo sem peias, muito menos a minha, a foto altaneira do Pico de Cauê, em 1930 e ele, hoje, reduzido a uma cratera de duzentos metros de profundidade, arruinado como está!

Onde foi descoberto o mineral: o governo Vargas (1930-1945), nacionalista a seu modo, percebendo um meio de alavancar a economia do Estado combalido, criou a sigla famosa da Companhia do Vale do Rio Doce. E aí desde esse passe de mágica, vinte anos depois, o poeta mostra em fatos por ele ter tirado o que aconteceu ao meio ambiente e sua degradação e incremento da pobreza pela cruel exploração das mineiradas, dos infelizes famintos à cata de resíduos de ouro. Nada diferente do que acontece na África (no Congo), o início da cruel devastação de florestas pelos “operários” chineses, birmaneses e que tais (anos 1972 – 1974). Nada diferente do que Ferguson (Prêmio Nobel de Física) descreveu no Deserto de los Alamos, com o confinamento de cientistas para produzir a primeira bomba atômica (experimental e depois, em 1945, por duas vezes, jogadas no Japão). Nada diferente do que se oculta aos olhos dos que são “inocentes úteis” (expressão usada pelos comunistas no pós-guerra para rotular os que procuravam viver sem se importar com o resto do mundo: egoísmo de alto quilate), em nossos dias, mormente com a macabra OMS.

Daí, percorrendo o seu itinerário, o que elegeu, a visão de Drummond do interesse de estrangeiros pelos minérios comprados a preço vil, à “privatização” da CVRD, na famigerada gestão de FHC e à internacionalização da companhia, com suas ações negociadas no exterior e com seu progressivo quão vergonhoso endividamento.

E chego ao ponto em que eu, sem pregar ideologia retrógrada, mas, com a ciência e a consciência, atentos e dedicadas ao Brasil, constato que a administração de empresa utilizou de empresa localizada no exterior para aferir os níveis de segurança da represa de Brumadinho. E o resultado foi o que Minas Gerais sofreu.

Justiça para isso, teima Drummond, nunca haverá! Quiçá, os acordos com os pobres inocentes tenham sido, até agora, com lisura e reprovados com dignidade merecida. Quiçá, os que são obrigados a manter a vigilância e a segurança de outras dezenas de barragens, em Minas Gerais, tenham o sentido patriótico para não ocorrerem semelhantes Chernobyl, Nagasaki, Severo, entre tantos outros.

A obra de Wisnik foi utilizada pelo rigor  da pesquisa e pela visão crítica do pensamento crítico, sobretudo porque, ressalto, “o ensaísta defende a atualidade dessa literatura no panorama contemporâneo, em que o espaço público se encontra em linha de ficcionalização e a cultura deixou de ser baliza de autorreconhecimento da sociedade”.

Animado e certo de que Minas Gerais se levantará, econômica e politicamente, renovo o que o CD Livro “Casos de vida”, de Gervásio Horta, nos propiciou por Angelo dos Prazeres em “Lembranças da Rua da Bahia: Eu me lembro… A vida era esta: sem pressa, apenas indo e vindo. Agora cansados nos aportamos, Genésio e eu. Tudo e todos se alinhem, desaparecem com as névoas. A cidade perde outra vez o velho aluno, mas o barulho daquele brinde noturno continua fiel, nas trilhas de umas canções indo e vindo, pois a vida é essa”.

Encerro com José Aparecido de Oliveira, em reunião, das milhares que participou no Palácio da Liberdade: ninguém faz nada impunemente.

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