• Por Carlos Lindenberg

O governador Romeu Zema tem poderes, claro, para tentar mudar a Constituição mineira, por meio de uma PEC, mas parece um contrassenso querer tirar da população o direito de se manifestar com relação à venda de ativos do Estado, como a Cemig, a Codemig e a Copasa. Primeiro, ele terá que enviar a PEC à Assembleia e ter lá votos suficientes para aprová-la. Não parece que tem, mas deputado, com exceções, é deputado – um agrado aqui, uma nomeação ali, veja aí o caso do MDB nomeando o presidente da Copasa – e o que o governador quiser, passa – a menos que o deputado Claudinho não deixe… de forma que de início não basta o governador confabular com o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus, para que sua vontade prevaleça. A Assembleia, por mais que Agostinho tenha uma boa compreensão da casa, tem também seus compromissos institucionais e um deles é o de zelar pelos bens do Estado, aquilo que foi construído com os impostos dos mineiros ou alguém acha que a Cemig, criada por JK, caiu do céu?

Isso posto, o esforço de Zema para entrar no regime de recuperação fiscal não será fácil. O que a União pede em troca dessa recuperação é algo que dificilmente passará na Assembleia, menos ainda essa PEC que tira do povo mineiro o direito de se manifestar com relação à venda da Cemig – um legado do ex-governador Itamar Franco aos mineiros, diante da ameaça de Fernando Henrique de privatizar o sistema elétrico do país, a começar por Furnas… os mineiros se lembram.

A União, no entanto, pede mais: pede o sacrifício do servidor que ficará sem concurso público e sem promoção por vários anos, além de ter que aumentar a sua contribuição ao IPSEMG, de forma que dificilmente coisas desse tipo passarão pelos deputados estaduais – olha o Claudinho novamente em campo… – de maneira que, na verdade, o que Zema deveria ter feito desde o primeiro minuto de seu governo era se articular com o governador Anastasia, por exemplo, para regulamentar de alguma forma a decisão do Supremo que deu a Minas ganho de causa na disputa pela Lei Kandir – um rombo de 136 bilhões de reais nas contas públicas do Estado com aquela lorota de isentar do ICMS os estados exportadores, logo Minas que praticamente só exporta minério e soja, além de alguns carros da Fiat.

Já que apoiou Bolsonaro na campanha, praticamente rompendo com o seu partido, o Novo, que até pensou em expulsá-lo, Romeu Zema deveria assumir a postura de alguns ex-governadores de Minas e se impor como figura de destaque da nova/velha política nacional. Poderia ter, por exemplo, a postura moral de um Milton Campos, de um Tancredo, quem sabe de Itamar, para não falar de Raul Soares, Artur Bernardes ou o velho Olegário ou quem sabe João Pinheiro e Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, de maneira que não deixe Minas humilhada diante da imposição do governo federal, quando se sabe que existe uma pendência político/jurídica que envolve a malfadada Lei Kandir. Ora, por que entregar os ativos mineiros quando há uma batalha à frente? E por que fugir dessa batalha? Não basta refugiar-se junto ao presidente da Assembleia para negociar, como na velha política, a troca de votos. Aliás, a alienação do Palácio das Mangabeiras é desconhecer a história daquela casa que faz parte do coração político de Minas, cuspir na sua história, coisa só possível quando se monta um secretariado recrutado nas conveniências da mídia e que, por mais que tenha morado em Minas, não perdeu o sotaque de sua origem.

Não, Zema. Puxa um pouco pela história de sua Araxá, do papel de dona Beja, e assume seu papel de condutor da política mineira em sua inteireza. Não faz mal que continue a usar suas camisas bem recortadas, os óculos modernos, e poucos ternos que, de fato, isso conta pouco. O que vale, nestas montanhas, é o valor intrínseco do que é ser mineiro. Dê uma lida, se ainda não o fez, no livro A Voz de Minas, de Alceu de Amoroso Lima. Ali está o mineiro, na sua formação sociológica e política. É por que se diz que Minas olha por cima. E por cima se impõe, mesmo a despeito de alguns desvios históricos, como em 1964, movida pelo desejo de poder do então governador Magalhães Pinto.

Em tempo: vejo num jornal local de hoje a informação do secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa, que sem o déficit previdenciário, que é histórico, Minas Gerais teria tido um resultado fiscal superavitário de R$ 6,1 bilhões em 2018. E fiquei sem entender: mas o Estado não está quebrado?

Jornalista da Band Minas, Metro-BH, Rádio Itatiaia, Revista Exclusive, autor do livro Quase História – Bastidores da Política Mineira, presidente do Centro de Cronistas Políticos de Minas Gerais. Carlos Lindenberg foi do Estado de Minas, VEJA, O Globo, Rede Globo, Hoje em Dia e além de Quase História, participou da coletânea que traçou o perfil do governador Hélio Garcia.

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